terça-feira, 18 de novembro de 2008

CRISE DA MODERNIDADE E O CASO BRASILEIRO: IMPERTINÊNCIA

CRISE DA MODERNIDADE E O CASO BRASILEIRO: IMPERTINÊNCIA?

Por Professor Nelson Juliano

No caso brasileiro, o dualismo paradigmático impõe que a análise da estrutura formal do sistema jurídico e político seja complementada pela análise das práticas políticas e jurídicas.

A crise paradigmática no direito e no Estado é uma manifestação da crise da modernidade. Preferiu-se a expressão crise do paradigma "oitocentista" para determinar um objeto mais preciso, menos ambíguo que a expressão "modernidade". A delimitação não é apenas temporal – o século XIX -, mas, também, espacial: o paradigma moderno é um modelo teórico europeu, particularmente da Europa Ocidental. A origem européia do paradigma não impediu que o mesmo se expandisse pelo mundo, pacífica ou impositivamente. Neste sentido é que o paradigma norte-americano é, mutatis mutandis, o mesmo paradigma moderno de origem européia.

O debate sobre a modernidade é, portanto, inevitavelmente, um debate eurocentrista; pois, impõe a referência moderna (modernidade européia) às outras partes do mundo. O referencial moderno também é um referencial valorativo, no sentido de que o que não é moderno é considerado ilegítimo, não-emancipador ou não-desenvolvido.

A peculiaridade da modernidade européia contrasta com outros modos de organização social, com outras civilizações, com outros sistemas teóricos, vale dizer, com outros paradigmas, muitos dos quais mais antigos que o paradigma moderno, isto é, um paradigma europeu em contraste com o chinês, o indiano, o egípcio, o muçulmano etc. Todos diferem do modelo europeu, mas, tal como o modelo europeu, foram aplicados além do âmbito restrito da comunidade, assumindo pretensões imperiais ou universais.

Nos lugares onde não se vivenciou a Antiguidade e o Medievo, a adoção da modernidade produziu, inevitavelmente, resultados diferentes daqueles que são esperados, por comparação, com os resultados verificados na Europa e nos Estados Unidos. Assim, os lugares onde não se adotam a modernidade, isto é, o diferente, recebem a conotação negativa em contraste com o referencial moderno.

O peso do referencial moderno, no entanto, é intimidador. Quem não é moderno vive na "idade das trevas". Não é por outro motivo que autores como Boaventura de Sousa Santos[1] se obrigam a distinguir a modernidade central da modernidade periférica, a fim de explicar a situação portuguesa, que, embora européia (geograficamente), não adota os mesmos parâmetros da modernidade inglesa, francesa, alemã e norte-americana, por exemplo. Ou mais, ainda que adote o parâmetro moderno, não se percebem os resultados positivos da modernidade. Em certo sentido, a distinção entre modernidade central e periférica é também uma reafirmação da modernidade como paradigma referencial, ou seja, o paradigma português não é outro, mas uma corrupção do paradigma moderno.

Assim, a modernidade, além do que representa para a Europa e para os Estados Unidos, serve também de referência para outros modelos paradigmáticos, isto é, adota-se um critério simples de comparação que classifica o mundo em moderno e não moderno. Neste sentido, o não-moderno pode ser a etapa anterior à modernidade; por exemplo, uma sociedade organizada pelo regime feudal ou uma sociedade em que não se percebe a diferenciação das ordens éticas (uma sociedade não complexa) etc. Ou, o não-moderno pode ser, também, a aplicação deformada dos preceitos modernos; de certo modo é o que Boaventura de Sousa Santos denominou de modernidade periférica. Em ambos os casos, a não-modernidade é um déficit e não uma alternativa.

Há, no entanto, duas outras possibilidades que não adotam a modernidade como referência única. Pode-se, simplesmente, adotar um paradigma assumidamente diferente da modernidade, como alternativa melhor (seja em razão do contexto específico onde é aplicado, seja porque se considera absolutamente melhor). Pode-se, também, adotar a distinção entre a modernidade européia e outras modernidades; assim, a modernidade continua sendo o referencial de comparação, mas como uma idéia frouxa de modernidade que abrange a modernidade européia e outras modernidades; esta posição se difere da posição de Boaventura de Sousa Santos porque, para o autor português, a modernidade periférica é uma disfunção da modernidade central, portanto a modernidade não-européia é independente da modernidade européia. Parece, no entanto, que tal distinção não dá clareza ao debate; a modernidade é mesmo uma construção conceitual da Europa para descrever (e prescrever) um fenômeno tipicamente europeu e se difundiu no mundo, não em razão da sua superioridade teórica, mas, pela hegemonia política, econômica e militar da Europa e dos Estados Unidos.

Neste contexto, de certo modo, parte relevante da doutrina brasileira sobre o tema da formação da sociedade (e do Estado) brasileiro procura desenvolver a idéia de que a modernidade brasileira é diferente da modernidade européia sem deixar de ser moderna.

Embora as teorias sobre a brasilidade, sobre a formação do Estado ou sobre a formação da sociedade brasileira se apresentem como um diagnóstico sociológico, antropológico, político, histórico ou geográfico do Brasil, pode-se perceber, em todas elas, uma relação direta com as posições políticas dos autores. Pode-se, assim, ter sérias suspeitas de que o diagnóstico é determinado, em parte, pela conclusão. Como já se explicou, a abdução, também, opera com a antecedência da conclusão em relação a pesquisa empírica (verificação ou falseamento), mas, nos casos referidos, a antecedência da conclusão não é explícita e se apresenta como uma conclusão inevitável diante da constatação de uma evolução da formação da identidade nacional.

Não se pode afirmar se em razão disto, mas é possível, por exemplo, perceber insuperáveis contradições entre as teorias concorrentes, como a de Raymundo Faoro que descreveu a colonização no Brasil como expressão do patrimonialismo português e, portanto, de um Estado (o centro) forte; e, por contraste, a de Nestor Duarte que descreveu a organização do Brasil colonial como feudalismo, isto é, como poder do feudo prevalecendo sobre o poder do centro (sobre o Estado). Ou interpretações conflitantes sobre o coronelismo em que, para alguns, é a concessão do poder central em favor da clientela local e para outros o inverso.

Em todo caso, parece ser possível identificar, também, diversos aspectos comuns em todas estas posições conflitantes. Em muitos casos, o conflito é sobre uma especificidade, mantendo-se uniforme, mutatis mutandis, o aspecto central da teoria. Ou ainda, que a imprecisão terminológica (ou melhor, a confusão terminológica) possa ter produzido falsas distinções, bem como falsas associações.

A doutrina brasileira sobre a formação do Estado e sobre as relações de poder da sociedade adota um vocabulário confuso e impreciso[2]. Ressalte-se que a imprecisão e a confusão conceitual estão no debate e não em cada teoria particularmente. Neste sentido, o patrimonialismo de Raymundo Faoro não é o mesmo de Simon Schwartzman. O coronelismo não se confunde com o clientelismo; para a maioria da doutrina, o clientelismo é um fenômeno pré-moderno, para outra parte é uma manifestação tipicamente moderna. Assim, há um emaranhado de expressões para tentar sintetizar a brasilidade, o que não deixa de causar certa nebulosidade: mandonismo, clientelismo, cordialismo, conciliadorismo, conservadorismo, patrimonialismo, feudalismo, tradicionalismo, coronelismo, autoritarismo, centralismo, nacionalismo, patronagem, patriarcalismo etc. Como advertiu José Murilo de Carvalho, "convém parar para revisão e tentar esclarecer conceitos e teorias"[3].

Pode-se fazer uso do trabalho de José Murilo de Carvalho para se ter uma distinção clara dos conceitos mais confusos. Coronelismo é "um sistema político nacional baseado em barganhas entre governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o de delegado de polícia até o de professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do reconhecimento desde seu domínio no estado"[4].

José Murilo de Carvalho distinguiu o coronelismo do mandonismo. Para Carvalho, o mandonismo se aproxima do que a doutrina hispano-americana denomina de caciquismo, "refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política"[5]. José Murilo de Carvalho concluiu que o coronelismo (de Victor Nunes Leal) é um "momento particular do mandonismo, exatamente aquele em que os mandões começam a perder força e têm de recorrer ao governo. Mandonismo, segundo ele [Victor Nunes Leal] sempre existiu. É uma característica do coronelismo, assim como o é o clientelismo"[6].

A expressão mais imprecisa de todas as referidas é, para José Murilo de Carvalho, o clientelismo[7]. "De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto"[8]. Enquanto que no mandonismo o poder é exercido unilateralmente, no clientelismo há uma relação bilateral, ainda que assimétrica, de troca de bens; é a assimetria que aproxima o clientelismo do mandonismo, pois a parte fraca se vê obrigada a aceitar a troca. Por outro lado, embora o clientelismo seja uma característica do coronelismo, não pode se confundir com ele, a complexidade do coronelismo absorve o clientelismo, mas, também, possui outras características e é descrito em circunstâncias bastante particulares. Assim, enquanto o clientelismo é um conceito reconhecido internacionalmente, o coronelismo é descrito como um fenômeno exclusivamente brasileiro durante um período determinado da Primeira República.

Temos, assim, três conceitos relacionados, mas não sinônimos, guardados cada um sua especificidade, além de representarem curvas diferentes de evolução. O coronelismo retrata-se com uma curva tipo sino: surge, atinge o apogeu e cai num período de tempo relativamente curto. O mandonismo segue uma curva sempre descendente. O clientelismo apresenta uma curva ascendente com oscilações e uma virada para baixo nos úlitmos anos[9].

Victor Nunes Leal considerou que o coronelismo é o resultado do empobrecimento das lideranças locais, obrigadas a manter uma relação de dependência com o poder central a fim de resguardar algum domínio[10], portanto, o coronelismo é, antes, uma expressão do enfraquecimento do "campo" (do poder local). Pelo "acordo", os coronéis asseguravam os votos para a eleição dos governadores, que asseguravam os votos para a eleição do presidente. Salvo os estados fortes, como Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, para os outros, o poder central, isto é, o poder do Presidente da República, era incontestável.

Concebemos o 'coronelismo' como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. [...] É antes uma forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa. Por isso mesmo, o 'coronelismo' é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras[11].

Na percepção de Victor Nunes Leal, não se trata apenas do enfraquecimento do poder local, mas do empobrecimento do poder rural. O coronelismo só é possível em condições de completa dependência econômica do indivíduo à terra, assim, o dono da terra também se apoderava do indivíduo[12].

O gênero "mandonismo", portanto, é o primeiro elemento material da estrutura política e jurídica brasileira não percebido pela estrutura normativa formal.

O feudalismo também não se confunde com o patrimonialismo. Weber os distinguiu e assim também o fizeram Raymundo Faoro e Simon Schwartzman; ainda que ambos integrem a mesma família tradicionalista, no sentido weberiano (posição que não é dominante da doutrina brasileira). No contexto brasileiro, o feudalismo se caracteriza pelo acentuado poder dos "potentados rurais e suas parentelas diante do Estado desde o início da colonização. Os proprietários rurais são vistos como onipotentes dentro de seus latifúndios [...]. Durante a Colônia eram alheios, se não hostis, ao poder do governo. Após a Independência, passaram a controlar a política nacional, submetendo o Estado aos seus desígnios"[13]. Em sentido oposto, o patrimonialismo, no contexto brasileiro, consiste no capitalismo de Estado de natureza patrimonial, de modo que o estamento burocrático, "minoria dissociada da nação, é que domina, dele saindo a classe política"[14].

Algumas associações são recorrentes na doutrina brasileira. Os teóricos do patrimonialismo descrevem um Estado forte e autoritário, assim, a superação das mazelas do desenvolvimento nacional está no enfraquecimento do Estado, seja pelo federalismo, seja pelo fortalecimento da sociedade civil. Os teóricos do feudalismo descrevem um Estado fraco, subordinado ao poder privado dos enclaves locais e regionais, assim, a superação das mazelas do desenvolvimento nacional está no fortalecimento do Estado, no fortalecimento do poder central e da unidade nacional.

Na distinção weberiana entre os três tipos de dominação legítima –carismática, tradicional e racional-legal, a dominação tradicional significa que a legitimidade do poder se fundamenta na crença na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionais ('existentes desde sempre'). "Trata-se da crença na legitimidade do poder de quem exerce a dominação pelo fato de que sua 'investidura' decorre de longa tradição, de um costume inveterado, a partir de uma autoridade que sempre existiu. É o costume de determinada coletividade que indica quem exerce o poder e quem também garante a legitimidade do exercício da dominação"[15]. Há diversas formas de dominação tradicional: a gerontocracia, o patriarcalismo, o sultanismo, o feudalismo e o patrimonialismo, por exemplo[16]. O patrimonialismo é, portanto, na classificação weberiana, uma forma de dominação tradicional[17]. Para Max Weber, o patrimonialismo é originário do desenvolvimento da organização familiar, isto é, a mesma forma de dominação exercida pelo pater sobre os seus dependentes é ampliada na mesma medida em que o poder da família se amplia territorial e demograficamente. Não há, portanto, no patrimonialismo weberiano, a divisão entre o público e o privado, porque não há o público; tudo não passa da propriedade do pater sobre os seus bens e sobre os seus dependentes; desta forma, o governo é a gestão pessoal do pater sobre o que é seu[18].

No final da década de 1950, Raymundo Faoro publicou Os donos do poder. Por inspiração explicitamente weberiana, Faoro procurou demonstrar que a organização social brasileira é o resultado da colonização segundo o modelo patrimonial. Faoro, portanto, identificou as raízes do desenvolvimento nacional na formação do Estado português; Portugal desconheceu o feudalismo[19], em seu lugar, o nascimento do Estado português se organizou como Estado patrimonial. Significa que as relações de poder entre o rei e os súditos, intermediada, no feudalismo, por uma nobreza forte, no patrimonialismo, eram feitas sem intermediários, assim, o rei exercia o poder direto sobre os seus súditos. Não havia, no entanto, a separação entre a política e a economia, de modo que o poder político e o poder econômico eram indissociáveis no patrimonialismo.

Estado patrimonial, portanto, e não feudal, o de Portugal medievo. Estado patrimonial já com direção pré-traçada, afeiçoado pelo direito romano, bebido na tradição e nas fontes eclesiásticas, renovado com os juristas filhos da Escola de Bolonha. [...] Na monarquia patrimonial, o rei se eleva sobre todos os súditos, senhor da riqueza territorial, dono do comércio – o reino tem um dominus, um titular da riqueza eminente e perpétua, capaz de gerir as maiores propriedades do país, dirigir o comércio, conduzir a economia como se fosse empresa sua. O sistema patrimonial, ao contrário dos direitos, privilégios e obrigações fixamente determinados do feudalismo, prende os servidores numa rede patriarcal, na qual eles representam a extensão da casa do soberano. Mais um passo, e a categoria dos auxiliares do príncipe comporá uma nobreza própria, ao lado e, muitas vezes, superior à nobreza territorial[20].

Raymundo Faoro, diferentemente de Weber, no entanto, deu contornos modernos ao patrimonialismo português (e brasileiro). Enfatizou que o monarca absoluto do patrimonialismo português necessitava constituir uma intermediação entre ele e os súditos, mas diferente daquela feudal. Assim, o poder era exercido por uma burocracia plebéia, que devia seu poder exclusivamente à vontade do monarca, de modo que tal poder precário poderia ser revogado a qualquer momento. A burocracia do Estado patrimonial dá um sentido diferente do poder exercido pela nobreza no feudalismo[21]. No feudalismo, o rei está à mercê dos nobres que são tão ou mais poderosos que ele, pois o poder tradicional reside no nobre; no patrimonialismo, o estamento burocrático não tem legitimidade tradicional, que reside no rei, estranhamente sua legitimação é racional-legal, mesclada com uma fonte tradicional do rei.

O patrimonialismo, organização política básica, fecha-se sobre si próprio com o estamento, de caráter marcadamente burocrático. Burocracia não no sentido moderno, como aparelhamento racional, mas da apropriação do cargo – o cargo carregado de poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da esfera própria de competência[22].

A idéia de burocracia estamental de Raymundo Faoro é, talvez, o núcleo da divergência com Max Weber. Para Weber, o estamento burocrático é o estamento feudal que rivaliza o poder real. Para Faoro, o estamento burocrático fortalece o poder do rei[23]. Faoro constrói, portanto, o seu estamento, ibero-americano, nem feudal nem antipatrimonial"[24].

Mas, no Estado patrimonial, não há uma burocracia nos moldes do Estado de direito, isenta, neutra e procedimental. É uma burocracia de administração substancial. Não se esqueça de que o Estado é patrimônio do rei; não há sociedade civil para contrastá-lo. Assim, o agente público é o mesmo que agente do rei e o rei não é o representante da nação ou da sociedade, o rei é o dono do Estado. Os súditos, assim, não são apenas súditos, mas empregados, servos, sócios, meeiros do rei. [25]

Neste sentido é que o Estado patrimonial é um Estado forte, de certo modo, é um Estado total, pois não há limites formais para sua intervenção.



O instrumento de poder do estamento é o controle patrimonialista do Estado, traduzido em um Estado centralizador e administrado em prol da camada político-social que lhe infunde vida. Imbuído de uma racionalidade pré-moderna, o patrimonialismo é intrinsecamente personalista, tendendo a desprezar a distinção entre as esferas pública e provada. Em uma sociedade patrimonialista, em que o particularismo e o poder pessoal reinam, o favoritismo é o meio por excelência de ascensão social[26].

Na história brasileira, o Estado patrimonial forte e, portanto, autoritário, só decaiu no final Primeira República. A expressão do enfraquecimento do Estado patrimonial, para Faoro, é o coronelismo, isto é, a afirmação do poder local em detrimento do poder central[27]. No entanto, parece que a mesma estrutura patrimonial persiste em escala menor, as relações de poder se dão também entre o senhor que é o detentor do imperium e do dominium ao mesmo tempo, isto é, do dono da propriedade rural e chefe político ao mesmo tempo; nesta relação, o agregado tem uma dependência insuperável ao dono da terra, meio de moradia e de sustento.

No entanto, essa passagem do Estado patrimonial nacional para o exercício local do poder, também, de tipo patrimonial (ou seria feudal?)[28], se deu por um reconhecimento do poder dos "coronéis" pelo poder central; o título de coronel corrobora esta posição, era conferido pela autoridade nacional, mas não ao seu arbítrio e sim como reconhecimento de uma liderança política e econômica de fato[29]. O poder local, no entanto, compreendia os limites do seu poder e a extensão do poder do Estado patrimonial nacional, de modo que não podia dispensar o reconhecimento do Estado.

O Estado patrimonial não tem nenhum caráter democrático ou republicano. O compartilhamento do poder com uma burocracia também não lhe dá qualquer característica liberal. No patrimonialismo, o exercício do poder continua sendo pessoal, privado.

O estamento, quadro administrativo e estado-maior de domínio, configura o governo de uma minoria. Poucos dirigem, controlam e infundem seus padrões de conduta a muitos. O grupo dirigente não exerce o poder em nome da maioria, mediante delegação ou inspirado pela confiança que do povo, como entidade global, se irradia. É a própria soberania que se enquista, impenetrável e superior, numa camada restrita, ignorante do dogma do predomínio da maioria. [...] A minoria exerce o governo em nome próprio, não se socorre da nação para justificar o poder, ou para legitimá-lo jurídica e moralmente[30].

No início da década de 1970, Simon Schwartzman publicou São Paulo e o Estado nacional. Na década seguinte, a pesquisa foi revista e resultou na publicação de Bases do autoritarismo brasileiro. Simon Schwartzman procurou explicar a formação do Estado brasileiro como um patrimonialismo diferente do patrimonialismo de Raymundo Faoro.

O uso do termo 'patrimonialismo' nas ciências sociais tem sua origem nos trabalhos de Max Weber, e foi utilizado para caracterizar uma forma específica de dominação política tradicional, em que a administração pública é exercida como patrimônio privado do chefe político. Mas ela remonta à diferença estabelecida por Maquiavel entre duas formas fundamentais de organização da política, uma mais descentralizada, do 'Príncipe e seus barões', e outra mais centralizada, do 'Príncipe e seus súditos'. No seu uso mais recente, o termo 'patrimonialismo' costuma vir associado a outros como 'clientelismo' e 'populismo', por oposição ao que seriam formas mais modernas, democráticas e racionais da gestão pública, também analisada por Weber em termos do que ele denominou de 'dominação racional-legal', típica das democracias ocidentais[31].



Neste sentido, Simon Schwartzman advertiu que os teóricos europeus (destacou Max Weber e Karl Marx) consideram a modernidade como um fenômeno universal, mas o observam como um fenômeno histórico europeu. Assim, a legitimação tradicional que antecedeu a modernidade é a tradição feudal (isto é, do príncipe e seus barões) e não a tradição patrimonial. Num conveniente esquecimento dos modelos patrimonialistas chinês e egípcio[32].

Quanto ao caso brasileiro, Simon Schwartzman distinguiu a sua concepção de patrimonialismo das concepções de Raymundo Faoro e de F. Uricoechea. Schwartzman considerou que sua posição é "mais fiel [...] à inspiração weberiana original"[33].

Segundo Schwartzman, na descrição weberiana da modernidade, isto é, da legitimação racional-legal:

todas as funções públicas estavam codificadas em um sistema de normas racionalmente elaboradas (daí o 'racional'), que definiam com precisão o âmbito de atuação e o poder dos agentes públicos (daí o 'legal'). Subentendido a este conceito estava a noção de que as leis eram definidas pelos parlamentos, que representavam a sociedade organizada em partidos políticos, e demarcavam com clareza o alcance da delegação de poder que outorgavam ao executivo para governar. Alguns corolários importantes da dominação racional legal são a burocracia moderna, que opera através de atos formais e escritos com separação restrita entre os interesses privados dos burocratas e sua função pública; a existência de um poder judiciário independente; de uma profissão legal bem constituída, formando juristas e advogados para fazer as leis, operar o sistema judiciário e defender os direitos dos indivíduos; e de um sistema de normas jurídicas estável e previsível. É bastante claro que este sistema não é o mais eficiente quando o que prima é o interesse pela racionalidade substantiva, ou seja, a consecução dos fins, situação em que os agentes buscam o máximo de autonomia e liberdade de ação, independentemente das normas formais. [...] [Sobre a racionalidade substantiva no caso brasileiro] Em relação ao judiciário como um todo, esta questão surge na discussão sobre os limites dos poderes dos juízes e tribunais de tomar decisões atendem ao que consideram como de interesse substantivo das partes, em detrimento, novamente, da obediência aos procedimentos legais estabelecidos pela legislação[34].

Simon Schwartzman enfatizou que o patrimonialismo brasileiro é expressão do poder do príncipe e que o clientelismo e o coronelismo são instrumentos de cooptação patrimonial pelo poder central diante da fragilidade dos poderes locais[35]. A cooptação[36] é a forma patrimonial de seleção de lideranças e da burocracia, em contraste com a eleição (democracia representativa) e o concurso como formas modernas. Neste contexto, Simon Schwartzman destacou o caso de São Paulo como alternativa ao modelo patrimonialista:

É possível mostrar que, se formas embrionárias de representação política existiram no Brasil, elas tenderam a concentrar-se na área de São Paulo. [...] uma das conclusões que poderiam ser extraídas dessa análise seria, por exemplo, que existiria somente uma forma de levar o Brasil para um sistema mais aberto de participação política: fomentar o papel de São Paulo na política nacional, ao longo de toda sua estrutura de estratificação sócio-econômica, fazendo com que este sistema regional se expanda até predominar sobre as demais áreas do país, urbanas não-industriais e rurais[37].

Simon Schwartzman ressaltou o que parece ser o núcleo do patrimonialismo (e também do feudalismo) em contraste com os modelos modernos liberais e democráticos: o não reconhecimento da esfera pública. Assim, "o termo 'patrimonialismo' – um conceito fundamental na sociologia de Max Weber – é usado para se referir a formas de dominação política em que não existem divisões nítidas entre as esferas de atividade pública e privada"[38].

É precisamente neste sentido que os estados modernos que se formaram à margem da revolução burguesa podem ser considerados 'patrimoniais'. Este patrimonialismo moderno, ou 'neopatrimonialismo', não é simplesmente uma forma de sobrevivência de estruturas tradicionais em sociedade contemporâneas, mas uma forma bastante atual de dominação política por um 'estrato social sem propriedades e que não tem honra social por mérito próprio', ou seja, pela burocracia e a chamada 'classe política'.[39]

A tese do feudalismo brasileiro teve menor acolhida na doutrina. Destaca-se a posição de Nestor Duarte:

A formulação mais contundente da tese feudal está em Nestor Duarte. As capitanias hereditárias seriam, segundo este autor, instituições legitimamente feudais e o feudalismo teria dominado os três primeiros séculos da história nacional. Pouco teria mudado após a Independência, pois 'o poder político se encerra nas mãos dos que detêm o poder econômico' (Duarte, 1939: 181). A ordem privada, antagônica e hostil ao Estado como poder público, teria governado soberana durante todo o período imperial e ainda predominaria à época em que o livro foi escrito. Para ser tolerado pela ordem privada, o Estado, enquanto tal, omite-se e reduz suas tarefas à mera coleta de impostos. No resto, o Estado é privatizado e age em função dos interesses da classe proprietária[40].

Também, em divergência com o patrimonialismo, Gliberto Freyre identificou as relações sociais no Brasil colonial com o que ele denominou de "patriarcalismo"[41].

A comparação entre as três correntes – patrimonialismo, feudalismo e patriarcalismo – torna difícil a conclusão sobre a brasilidade, pois, nitidamente, apresentam conclusões distintas sobre o problema. De certo modo, as três teorias poderiam ser reduzidas a duas tendências: a tensão entre o domínio do "centro" (ou da corte) e o domínio da "periferia" ou domínio local (ou do campo), ou seja, entre o poder centralizado e o poder descentralizado (e, ainda, o poder concentrado e o poder desconcentrado). Não se conclua, precipitadamente, que o poder descentralizado é mais democrático, mais liberal ou mais republicano; em sentido inverso, boa parte da doutrina defendeu que a "modernização" do Brasil seria realizada por um programa adequado de centralização política[42]. Por outro lado, a falta de consenso pode ser reveladora da tensão presente historicamente de dois projetos de Brasil: o projeto do campo e o projeto da corte, isto é, o projeto descentralizador e o projeto centralizador.

Devem-se explicar melhor estas duas tendências. O "partido da corte" é a um só tempo centralizador, concentrador e estatizador. O "partido do campo" é a um só tempo descentralizador, desconcentrador e municipalizador. Em nenhum dos dois projetos, em princípio, é pertinente considerar qualificadores tipicamente modernos como a democracia, o liberalismo, o socialismo, nem mesmo o republicanismo. Não se perca de vista que o feudalismo, o patrimonialismo e o patriarcalismo são também modelos de organização social desigual em que o chefe, o líder, o patriarca exercem o poder hierarquizado. O partido da corte, muitas vezes, assumiu o discurso libertador porque rompia as relações de dominação local submetendo todos ao poder central. Entretanto, a tensão se converte em acomodação ou em conciliação, quando o partido da corte faz uso da estrutura de poder local para afirmar seu próprio poder com menor esforço.

O patrimonialismo, o feudalismo e o patriarcalismo, no entanto, têm em comum o não reconhecimento da distinção entre a esfera pública e a esfera privada, ou melhor, o desconhecimento da esfera pública. Assim, a esfera estatal é regida como patrimônio privado, ou seja, nas três teorias impera o "privatismo", que, na falta de outra expressão melhor, significa não apenas que os critérios, os procedimentos e as regras típicas das relações privadas, isto é, no âmbito da família, dos amigos, do empreendimento agrário, comercial ou industrial (ênfase para o agrário), aplicam-se, também, nas relações com o Estado e em espaços que a modernidade considera públicos. O "privatismo", portanto, não é a redução do Estado ou o Estado mínimo, em proveito do mercado ou da sociedade civil; o privatismo é a apropriação do público e do estatal pelo privado.

Um elemento típico deste ambiente privado, para não falar de ambiente familiar, é a cordialidade.

Antonio Cândido, já no prefácio de 'Raízes do Brasil', assevera com extrema propriedade que o conceito de 'patrimonialismo', assim como o de 'burocracia', foi de forma pioneira utilizado por Sérgio Buarque de Holanda para explicar a sua concepção de que o típico indivíduo brasileiro – o denominado 'homem-cordial' – caracterizava-se profundamente por seu caráter de afabilidade, fundamento remoto de seu ambiente familiar. Essa característica, segundo Cândido, importaria na extrema dificuldade do padrão médio de indivíduo nacional em tratar seus pares de forma impessoal e formal, pois os laços de pessoalidade e de intimidade – próprios do ambiente familiar – transcenderiam a esfera privada e eclodiriam na pública[43].

Sérgio Buarque de Holanda explicou que a feição do homem, da sociedade e do Estado brasileira foi moldada por sua origem rural. O meio impôs que o único critério conhecido para as relações sociais fosse o da família. O Estado brasileiro, assim, seria descendente "em linha reta, e por simples evolução, da família. A verdade, bem outra, é que pertencem a ordens diferentes em essência. Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão, contribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável, ante as leis da Cidade"[44]

A cordialidade[45] do brasileiro, portanto, é determinada pelo privatismo (patrimonialismo, feudalismo e patriarcalismo) da organização social originalmente rural.

Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário 'patrimonial' do puro burocrata conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário 'patrimonial', a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. [...] No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade[46].

Não se deve entender, no entanto, que Sérgio Buarque de Holanda fez alguma apologia do homem-cordial ou do brasileiro-cordial; constatava apenas esta característica e pretendia explicar a sua origem.

Em todo caso, a natureza cordial se manifesta, também, no espírito conciliador (que pode também se manifestar como espírito conservador) da brasilidade[47]. Assim, é o espírito conciliador que permitiu apaziguar a tensão entre o partido do campo e o partido da corte. A partir desse acordo tácito entre o poder central e o poder local é que são criadas práticas como a do coronelismo. É curioso perceber que, sendo o coronelismo uma prática tipicamente do período republicano (não confundir com sua origem formal na patente de coronel da guarda nacional durante a Regência), parte da doutrina identifica na instauração da República o fortalecimento do poder central e a outra parte identifica o fortalecimento do poder local; em ambos os casos, percebe-se a conciliação entre uma força ascendente e uma força descendente.

Não se perca de vista, no entanto, que o coronelismo é também uma expressão do privatismo.

Não é preciso, por exemplo, demonstrar que o papel de um juiz de paz, de um juiz municipal, de um delegado de polícia ou de um coletor de impostos está estreitamente vinculado à sustentação dos interesses econômicos dos donos de terra e dos grandes comerciantes. As tarefas do juiz e do delegado eram importantes para o controle da mão-de-obra e para a competição com fazendeiros rivais. Ser capaz de oprimir ou proteger os próprios trabalhadores ou de perseguir os trabalhadores dos rivais fazendo uso da polícia era um trunfo importante na luta econômica. Como observou Oliveira Vianna (1949), a justiça brasileira caracteriza-se, nessa época, pelas figuras do 'juiz nosso', do 'delegado nosso', isto é, era uma justiça posta a serviço dos interesses dos mandões. [...] No coronelismo, como definido por Leal, o controle do cargo público é mais importante como instrumento de dominação do que como empreguismo. O empreguismo público adquire importância em si, como fonte de renda, exatamente quando o clientelismo cresce e decresce o coronelismo[48].

O privatismo e o cordialismo (ou a derivação deste, que é o espírito conciliador) são os dois outros elementos materiais da estrutura jurídica e política brasileira.

Em trabalho recente, Francisco Farias[49] procurou demonstrar que, na última década, os resquícios de coronelismo (particularmente no Nordeste) foram substituídos por uma versão capitalista de clientelismo. No coronelismo, a dependência econômica nas relações de patronagem assegurava a fidelidade do eleitor (voto) ao coronel (ou a quem o coronel indicasse). A independência do eleitor em relação ao poder do coronel transformou o "voto de cabresto" em "voto-mercadoria"; assim o eleitor, proprietário do voto (outra manifestação do privatismo), faz dele o que achar melhor, inclusive vendê-lo. O que para Farias é uma expressão da difusão do capitalismo, parece, no entanto, ser, ainda, expressão do privatismo sem o mandonismo.

A confusão paradigmática se torna explícita em teorias como a de Francisco Farias: o capitalismo – moderno – determina o clientelismo – tradicional.

Procurando "clarificar" essa aparente confusão paradigmática, Roberto DaMatta[50] explicou que as relações sociais no Brasil são marcadas por uma dualidade de paradigmas: o paradigma da rua e o paradigma da casa[51]. Não se trata, por ora, de uma explicação da convivência entre modernidade e tradicionalismo; trata-se de uma explicação sobre a convivência entre dois princípios tão distintos como o mandonismo e o cordialismo. Ou, em termos damattianos: o princípio do "você sabe com quem está falando" e o princípio do "jeitinho". Assim, convivem simultaneamente dois parâmetros privatistas.

Mas há dualismo também na relação entre o tradicionalismo e a modernidade. Parâmetros modernos convivem com parâmetros tradicionais. Não se pode negar que valores como a democracia, a liberdade, a igualdade, os direitos individuais, os direitos sociais, o princípio da separação de poderes, a neutralidade judicial etc. – valores modernos – convivem com as práticas tradicionais, que vão do mandanismo ao jeitinho, passando por relações clientelistas e de patronagem, por exemplo. Gilberto Freyre, em Sobrados e mocambos, apresentou uma explicação bastante plausível para este fenômeno. A influência ibérica no Brasil transmitiu a idéia e a prática da "escravidão moura" (ou escravidão muçulmana), pela qual era permitido ao escravo assimilar a cultura do dominador, de modo que quanto mais assimilado, mais direitos (ou menos obrigações) o servo tinha. Da idéia de escravidão moura, Freyre demonstrou a vigência do princípio da "reeuropeização", pelo qual os brasileiros ascenderiam de status, na medida em que demonstrassem que assimilavam a cultura européia. Em outros termos, mesmo com práticas tradicionais, apenas ao adotar a forma moderna é que as relações sociais, as relações de poder e a organização do Estado ganhavam legitimidade. Daí a necessidade brasileira de acomodar suas práticas tradicionais com a forma moderna.

Aceitar uma posição dualista, ainda que não seja nos termos de Gilberto Freyre, significa concluir que a "modernidade à brasileira" é decorrente de uma estranha idiossincrasia entre um espírito prático, segundo o paradigma tradicional e um espírito idealista segundo o paradigma moderno. Explica-se, assim, o descompasso entre a teoria e a prática; pois o dualismo paradigmático implica a compatibilidade entre práticas tradicionais e a aparência moderna.

Pode-se identificar, portanto, três elementos da estrutura material das relações de poder no Brasil: o mandonismo, o privatismo e o espírito conciliador. O tradicionalismo, particularmente expresso no mandonismo e no privatismo, revela-se, respectivamente, em dois princípios aparentemente contraditórios: o princípio da rua e o princípio da casa ("você sabe com quem está falando?" e o jeitinho)[52].

Percebe-se também um dualismo paradigmático entre a modernidade européia e o tradicionalismo brasileiro, também aparentemente contraditório, mas que convivem pacificamente.







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[1] Cf. Boaventura de Sousa Santos. Pela mão de Alice.

[2] No mesmo sentido, cf. José Murilo de Carvalho: "Há momentos, no entanto, em que o acúmulo de pesquisas passa a girar em roda, sem conseguir avançar devido a confusões e imprecisões conceituais". José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Do mesmo autor, cf., também, Ciudadania e Desenvolvimiento de la ciudadania en Brasil.

[3] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[4] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[5] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[6] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[7] "O conceito de clientelismo sempre foi empregado de maneira frouxa". José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[8] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[9] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[10] "O 'coronelismo' pressupõe, ao contrário, a decadência do poder privado e funciona como processo de conservação do seu conteúdo residual". "[...] 'coronelismo': este sistema político é dominado por uma relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido". Victor Nunes Leal. Coronelismo, enxada e voto, pp. 251-2. E completa: "O 'coronelismo' – já o observamos anteriormente – pressupõe a decadência da nossa estrutura rural". Victor Nunes Leal. Coronelismo, enxada e voto, p. 256.

[11] Victor Nunes Leal. Coronelismo, enxada e voto, p. 20.

[12] "O 'coronelismo' atua no reduzido cenário do governo local. Seu habitat são os municípios do interior, o que equivale a dizer os municípios rurais, ou predominantemente rurais; sua vitalidade é inversamente proporcional ao desenvolvimento das atividades urbanas, como sejam o comércio e a indústria. Consequentemente, o isolamento é fator importante na formação e manutenção do fenômeno". Victor Nunes Leal. Coronelismo, enxada e voto, p. 251.

[13] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[14] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[15] Daniel Barile da Silveira. Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro, p. 3.

[16] "Tal legitimação pela tradição é ambivalente em relação à tendência dos dirigentes ao arbítrio pessoal. [...] Se o arbítrio predomina, o patrimonialismo aproxima-se do que Weber classifica de patrimonialismo sultanista, ou patricarcal, ou puro. Se prevalece a tradição, o patrimonialismo tende a transformar-se em patrimonialismo estamental ou descentralizado, no qual as relações entre o príncipe e o corpo administrativo são mais estáveis e equalizadas". Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, pp. 156-7.

[17] Cf. Daniel Barile da Silveira. Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro, p. 4.

[18] Cf. Daniel Barile da Silveira. Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro, p. 5. No mesmo sentido, "A dominação tradicional subdivide-se em patrimonial e feudal. A dominação patromonial tem sua legitimidade baseada em uma autoridade sacralizada por existir desde tempos antigos, longínquos. Seu arquétipo é a autoridade patriarcal. Por se espelhar no poder atávico, e, ao mesmo tempo, arbitrário e compassivo do patriarca, manifesta-se de modo pessoal e instável, sujeita aos caprichos e à subjetividade do dominador. A comunidade política, expandindo-se a partir da comunidade doméstica, toma desta, por analogia, as formas e, sobretudo, o espírito de 'piedade' a unir dominantes e dominados" Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, p. 156.

[19] "[...] Portugal não conheceu o feudalismo [...]". Raymundo Faoro. Os donos do poder, p. 19.

[20] Raymundo Faoro. Os donos do poder, p. 20.

[21] Para Rubens Goyatá Campante, no feudalismo, diferentemente do patrimonialismo, "ocorre, de forma acentuada, uma 'apropriação dos meios administrativos' por parte dos 'servidores', que acaba por gerar uma situação contratual entre estes e o governante patrimonial, embora não de cunho moderno, formal-objetivo, mas baseada na 'honra' subjetiva das partes". Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, p. 157.

[22] Raymundo Faoro. Os donos do poder, p. 84.

[23] Cf. Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, p. 163.

[24] Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, p. 163.

[25] "Ao analisar as raízes históricas do Estado Português, Faoro descobre que a fundamental peculiaridade de sua forma de organização estava calcada no fato de que o bem público – as terras e o tesouro da Corte Real – não estava dissociado do patrimônio que constituiria a esfera dos bens íntima do governante". Daniel Barile da Silveira. Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro, p. 10.

[26] Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, pp. 154-5.

[27] Perceba-se que a conclusão de Faoro é diferente da conclusão de Victor Nunes Leal. "O fenômeno coronelista não é novo. Nova será sua colaboração estadualista e sua emancipação no agrarismo republicano, mais liberto das perias e das dependências econômicas do patrimonialismo central do Império. O coronel recebe seu nome da Guarda Nacional, cujo chefe, do regimento municipal, investia-se daquele posto, devendo a nomeação recair sobre pessoa socialmente qualificada, em regra detentora de riqueza, à medida que se acentua o teor de classe da sociedade. Ao lado do coronel legalmente sagrado prosperou o 'coronel tradicional', também chefe político e também senhor dos meios capazes de sustentar o estilo de vida de sua posição". Raymundo Faoro. Os donos do poder, pp. 621-2. Campante percebe, também, os inconvenientes do modelo: "O problema da manutenção do controle pessoal sobre territórios extensos é um dilema típico do governante patrimonial, diante das dificuldades causadas pelas distâncias e precariedade das comunicações e pelos focos de poder locais. Ele o faz por intermédio de 'servidores' nem sempre fiéis, que apresentam, não raro, tendências centrífugas. Para o governante patrimonial, o servidor é, ao mesmo tempo, uma 'solução' para problemas administrativos e de consolidação do poder central, e uma fonte de problemas e preocupações". Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, p. 158.

[28] Rubens Goyatá Campante explica que o patrominialismo não significa centralismo, assim o enfraquecimento do poder central não descaracteriza o patrimonialismo. Cf. Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, p. 159. "Faoro, porém, provavelmente temendo que a descentralização comprometa a noção de patrimonialismo e caracterize a de feudalismo, prioriza a proeminência do centralismo na tradição política brasileira". Rubens Goyatá Campante. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira, p. 160.

[29] "O coronel, antes de ser um líder político, é um líder econômico, não necessariamente, como se diz sempre, o fazendeiro que manda nos seus agregados, empregados ou dependentes. O vínculo não obedece a linhas tão simples, que se traduziriam no mero prolongamento do poder privado na ordem pública". Raymundo Faoro. Os donos do poder, p. 622.

[30] Raymundo Faoro. Os donos do poder, p. 88.

[31] Simon Schwartzman. Sobre o patrimonialismo e a dimensão pública na formação da América Latina contemporânea, p. 1.

[32] Simon Schwartzman. Sobre o patrimonialismo e a dimensão pública na formação da América Latina contemporânea, p. 1.

[33] Simon Schwartzman. Sobre o patrimonialismo e a dimensão pública na formação da América Latina contemporânea, p. 2.

[34] Simon Schwartzman. Sobre o patrimonialismo e a dimensão pública na formação da América Latina contemporânea, p. 3.

[35] Cf. Simon Schwartzman. Sobre o patrimonialismo e a dimensão pública na formação da América Latina contemporânea, p. 3-4.

[36] "A expressão 'cooptação política' é sugerida para referir-se a um sistema de participação política débil, dependente, controlado hierarquicamente, de cima para baixo. [´...] Assim, a participação política deixa de ser um direito e torna-se um benefício outorgado, em princípio revogável. Como em todo tipo ideal, esse arranjo ocorre todo o tempo, em todos os sistemas políticos abertos, e não é uma peculiaridade brasileira. Mas a cooptação política tende a predominar em contextos em que estruturas governamentais fortes e bem-estabelecidas antecedem historicamente os esforços de mobilização política de grupos sociais". Simon Schwartzman. Bases do autoritarismo brasileiro, p. 37.

[37] Simon Schwartzman. Bases do autoritarismo brasileiro, p. 39.

[38] Simon Schwartzman. Bases do autoritarismo brasileiro, p. 57.

[39] Simon Schwartzman. Bases do autoritarismo brasileiro, pp. 59-60. Complementa: "A linha de continuidade que Weber estabelece entre dominação patrimonial tradicional e dominação burocrática [...] deve ser vista em contraste com a continuidade que parece existir entre feudalismo e dominação racional-legal, que surge historicamente associada à emergência do capitalismo. O que as duas primeiras têm em comum é que em ambas o poder central é absoluto e incontestável, ainda que organizado, sustentado e legitimado por sistemas completamente diferentes de normas e valores. Os dois últimos são similares de forma oposta: são ambos exemplos de relações contratuais estabelecidas entre unidades relativamente autônomas" Simon Schwartzman. Bases do autoritarismo brasileiro, p. 60.

[40] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[41] Cf. Gilberto Freyre. Casa grande & senzala. Bem como Gilberto Freyre. Sobrados e mucambos.

[42] Cf., por exemplo, Alberto Torres e Oliveira Vianna (A organização nacional), Oliveira Vianna (Instituições políticas brasileiras e Populações meridionais do Brasil) e Francisco Campos (Diretrizes constitucionais do novo Estado brasileiro). Cf., também, Rogério D. Santos. Francisco Campos e os fundamentos do constitucionalismo antiliberal no Brasil; Ricardo L. de Souza. Nacionalismo e autoritarismo em Alberto Torres; João Paulo Allain Teixeira. Idealismo e realismo constitucional em Oliveira Viana.

[43] Daniel Barile da Silveira. Patrimonialismo e a formação do Estado brasileiro, p. 9.

[44] Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil, p. 141.

[45] "Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o 'homem cordial'." Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil, p. 146.

[46] Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil, p. 146.

[47] Cf. Paulo Mercadante. A consciência conservadora no Brasil.

[48] José Murilo de Carvalho. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual.

[49] Cf. Francisco Farias. Clientelismo e democracia capitalista.

[50] Cf. Roberto DaMatta. O que é o Brasil?. Cf., também, a crítica feita por Jessé de Souza (A sociologia dual de Roberto DaMatta).

[51] "A 'casa' e a 'rua' interagem e se complementam num ciclo que é cumprido diariamente por homens e mulheres, velhos e crianças, ricos e pobres". Roberto DaMatta. O que é o Brasil?, p. 13. Em sentido próximo, cf., também, Nelson Saldanha. O jardim e a praça.

[52] "E na gangorra, no espaço entre as leis e os amigos, surgem a malandragem, o 'jeitinho' e o famoso e antipático 'você sabe com quem está falando?'." Roberto DaMatta. O que o Brasil?, pp. 45-6.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

RORTY E OS ANIMAIS

RORTY E OS ANIMAIS

O Imbecil Coletivo, 5a ed., pp. 60-67.

Por Olavo de Carvalho



"O erro fala com voz dupla, uma das quais proclama o falso e a outra o desmente; e é um contender de sim e não, que se chama contradição... O erro condena-se, não pela boca do juiz, mas ex ore suo." — BENEDETTO CROCE.

"A filosofia teve origem na tentativa de escapar para um mundo em que nada mudasse. Platão, fundador dessa área da cultura a que hoje chamamos ‘filosofia’, supunha que a diferença entre o passado e o futuro seria mínima."
Assim principia o artigo de página inteira que o Sr. Richard Rorty publicou na Folha de S. Paulo no último dia 3 de março. Quando comecei a trabalhar no jornalismo, trinta anos atrás, um parágrafo desse teor seria impiedosamente riscado pelo copy desk, que ainda deixaria ao autor da pérola um bilhetinho malcriado, mais ou menos nos seguintes termos: "Mas como, ó espertinho, como poderia Platão desejar tão ansiosamente fugir para um mundo de estabilidade sem mudança, se neste mesmo mundo ele já não via grande diferença entre passado e futuro?" Hoje em dia a bobagem flagrante é publicada como alta manifestação do pensamento filosófico e não aparece um copy para dizer que ela não é aceitável nem mesmo como tentativa de jornalismo.
Mas, além de inaugurar seu artigo com um ostensivo contra-senso, o Sr. Rorty ainda pretende fazer dele o fundamento para conclusões que atentam contra as verdades históricas mais elementares. Pois, prossegue ele: "Foi só quando começaram a levar a história e o tempo a sério que os filósofos colocaram suas esperanças quanto ao futuro deste mundo no lugar antes ocupado por seu desejo de conhecer um outro mundo. A tentativa de levar o tempo a sério começou com Hegel."
Para começar, é manifesto que Platão, como todos os gregos, via sim muita diferença entre passado e futuro: se o fato mesmo da mudança não lhe parecesse digno de atenção, ele não faria esforço nenhum para tentar descobrir um padrão imutável por trás da transitoriedade das coisas. Em segundo lugar, a preocupação com "o futuro deste mundo" foi uma das tônicas do projeto platônico, obra de reformador social e político antes que de puro contemplador teórico.
Em terceiro, datar de Hegel o início da preocupação com a História e o tempo é saltar sobre dois milênios de cristianismo, uma religião que se diferenciou da cosmovisão grega justamente por sua ênfase no caráter temporal e histórico da vida humana — coisa que já está bem clara em Sto. Agostinho.
Quarto. Por que supor uma contradição entre a preocupação com a História e o desejo de eternidade, quando justamente é a união indissolúvel desses dois temas a inspiração básica do próprio Hegel?
Quinto. Quando o Sr. Rorty interpreta o desejo de eternidade como uma "escapada" ou "fuga", ele está fazendo mero jogo de palavras, aliás facilmente reversível: o impulso de revolucionar o mundo, de acelerar a mudança histórica também pode, com igual verossimilhança, ser interpretado como uma hübrys, uma agitação alienante, uma válvula de escape ante as realidades permanentes e inelutáveis, como a morte, a fragilidade física, a ignorância de nosso destino último, etc. Essas interpretações pejorativas só têm valor retórico, se tanto. Dá-las como pressupostas e inquestionáveis não é nada honesto.
Baseado em todos esses pressupostos, o Sr. Rorty encerra a abertura do seu artigo com a declaração de que a influência conjunta de Hegel e Darwin distanciou a filosofia da questão ‘O que somos?’ e levou-a para ‘O que poderíamos vir a ser?’. Essa pomposa generalização histórica omite para o leitor a informação de que para Hegel essas duas questões eram rigorosamente a mesma (Wesen ist was gewesen ist) e de que nisto o filósofo de Jena, longe de se afastar do pensamento grego, dava apenas desenvolvimento lógico à doutrina aristotélica da enteléquia, segundo a qual a essência não é a forma estática de um ser num dado momento do tempo, mas a meta subentendida no seu desenvolvimento. Omite, mais ainda, a informação de que Darwin, por seu lado, nunca deu um pio a respeito nem de ‘O que somos’ nem de ‘O que podemos vir a ser’, mas só se interessou por ‘O que fomos’; e confunde portanto a teoria da evolução com a ideologia evolucionista que é obra de Spencer e não de Darwin.
Num único parágrafo, são tantos os subentendidos absurdos, que talvez seja a própria força compressiva da falsidade rapidamente injetada em seu cérebro que deixe o leitor zonzo, incapaz de perceber que está diante de um charlatão barato, travestido em filósofo por obra de puro marketing.
Mas não creio que o Sr. Rorty escreva assim por mera inépcia. Ele sabe que mente — e o segredo do fascínio que ele exerce sobre hordas de jovens pedantes consiste precisamente em que, descrendo de toda verdade, eles invejam o poder de mentir bem. Há muita gente que sonha em ser Richard Rorty quando crescer.
Mas querem saber mesmo quem é esse sujeito? Querem ter uma idéia de quanto é ridículo honrá-lo como filósofo? Pois então, indo um pouco além do que ele disse na Folha, acompanhem este breve exame das suas concepções mais gerais.
"A linguagem não é uma imagem do real", assegura o Sr. Rorty, filósofo pragmatista e antiplatônico. Devemos interpretar essa frase no sentido que o Sr. Rorty chama "platônico", isto é, como negação de um atributo a uma substância? Seria contraditório: uma linguagem que não é imagem do real não pode nos dar uma imagem real das suas relações com o real. Logo, a sentença deve ser interpretada no sentido pragmatista: nada afirma sobre o que é a linguagem, mas indica apenas a intenção de usá-la de um determinado modo. A tese central do pensamento do Sr. Rorty é uma declaração de intenções. "A linguagem não é uma imagem do real" significa rigorosamente isto e mais nada: "Eu, Richard Rorty, estou firmemente decidido a não usar a linguagem como uma imagem do real". É uma tese "irrefutável": não se pode impugnar logicamente uma expressão da vontade. Não há, pois, nada a debater: dentro dos limites da decência e do Código Penal, o Sr. Rorty tem o direito de usar a linguagem como bem entenda.
O problema aparece quando ele começa a querer nos induzir a usar a linguagem exatamente como ele. Afirma ele que a linguagem não é uma representação da realidade, e sim um conjunto de ferramentas inventadas pelo homem para realizar seus desejos. Mas é uma falsa alternativa. Um homem pode muito bem desejar utilizar essa ferramenta para representar a realidade. Parece que Platão desejava exatamente isso. Mas o Sr. Rorty nega que os homens tenham outros desejos senão o de buscar o prazer e fugir da dor. Que alguns declarem desejar algo mais deve ser muito doloroso para ele, pois, caso contrário, não haveria nenhuma explicação pragmatisticamente válida para o empenho que ele coloca em mudar a clave da conversa. Diante da impossibilidade de negar que essas pessoas existam, o pragmatista dirá talvez que aqueles que buscam representar a realidade são movidos pelo desejo de fugir da dor tanto quanto os que preferem inventar fantasias; mas esta objeção só terá mostrado, precisamente, que não se trata de coisas que se excluam uma à outra. A alternativa rortyana é falsa nos seus próprios termos.
Diante dessa dolorosa constatação, o Sr. Rorty alega que sua filosofia consiste em propor um vocabulário novo, no qual serão abolidas as distinções entre absoluto e relativo, aparência e realidade, natural e artificial, verdadeiro e falso. Ele reconhece que não tem nenhum argumento a oferecer em defesa da sua proposta, de vez que ela, "não podendo ser expressa na terminologia platônica", está acima, ou abaixo, da possibilidade de ser provada ou refutada. "Por isto, conclui ele em nome de todos os pragmatistas, nossos esforços de persuasão assumem a forma de uma inculcação gradual de novos modos de falar". O Sr. Rorty, portanto, não pretende convencer-nos da veracidade de suas teses: pretende apenas "inculcar-nos gradualmente" seu modo de falar, uma vez adotado o qual iremos gradualmente nos esquecendo de perguntar se o que se fala é verdadeiro ou falso. Mas inculcar gradualmente nos outros um hábito lingüístico, colocando-o ao mesmo tempo fora do alcance de toda arbitragem racional, é pura manipulação psicológica. Saímos, portanto, do terreno da discussão filosófica — que o rortyanismo recusa como "platônico" — para entrar no da sutil imposição de vontades mediante a repetição de slogans e a mudança de vocabulário. É o que George Orwell denominou Newspeak, a Novilíngua de 1984.
Essa é talvez a razão profunda e secreta pela qual, após ter declarado que os homens nada mais são do que bichos em busca do prazer, e de ter reduzido a linguagem a um instrumento para os bichos mais fortes dominarem os mais fracos, o Sr. Rorty ainda pode proclamar que "nós, os pragmatistas, não nos comportamos como animais", quando seu discurso parecia indicar precisamente o contrário. É que eles são, na verdade, amestradores de animais. Um domador de cavalos não argumenta com os cavalos: usa apenas da influência psicológica para lhes "inculcar gradualmente" os hábitos desejados.
Como todos os amestradores, os pragmatistas são movidos por intenções piedosas: "O que nos importa é inventar meios de diminuir o sofrimento humano." É com esta nobre finalidade que o Sr. Rorty propõe a abolição das oposições entre o verdadeiro e o falso, o real e o aparente, o absoluto e o relativo, etc., que tanto vêm fazendo sofrer os estudantes de filosofia, e sugere a adoção universal da Novilíngua. Uma vez aprovada esta medida, os debates filosóficos já não serão, como antigamente, um desconfortável entrechoque de argumentos e provas, mas um esforço para tornar cada vez mais prazerosa e indolor a inculcação gradual de novos hábitos na mente da platéia. As novas teorias já não chamarão em seu socorro as pesadas armas da lógica, mas os delicados instrumentos do marketing, com distribuição de brindes aos novos adeptos e sorridentes coelhinhas da Playboy nas capas das teses acadêmicas.
Mas a contribuição decisiva do Sr. Rorty ao alívio do sofrimento humano é o combate que ele move contra a idéia de que a vida possa ter um sentido. É compreensível que, num universo que faça sentido, o Sr. Rorty deva se sentir muito mal — um estranho no ninho, exatamente como se sentiria um não-pragmatista num mundo desprovido de sentido. Porém o Sr. Rorty não vê o menor proveito em polemizar com os que não sentem como ele. A controvérsia entre a existência ou inexistência de um sentido imanente no cosmos, diz ele, "é demasiado radical para poder ser julgada a partir de algum ponto de vista neutro". Não há meio de argumentar: tudo o que um homem pode fazer é expressar o seu desejo. Portanto, novamente, a tese do Sr. Rorty é uma declaração de intenções: ele, Richard Rorty, fará tudo o que estiver ao seu alcance para que a vida não tenha o menor sentido. Ele faz isto aliás com extrema dedicação e competência. Há quem ache que a falta de sentido é que torna os seres humanos infelizes1, mas o Sr. Rorty não está nem aí. Ele defende o pluralismo democrático, a livre expressão de todos os pontos de vista. Apenas, o confronto dos pontos de vista, não podendo ser arbitrado por nenhum meio intelectualmente válido, se torna apenas uma concorrência entre desejos, cujo desenlace será determinado pela pura habilidade manipulatória do partido vencedor.
Quem conhece o Sr. Rorty pessoalmente garante que ele é um primor de simpatia. Acredito. Mas duvido que abane o rabo. Afinal, não é ele o animal da história.

domingo, 9 de novembro de 2008

Frase do Final de Semana.

"A dúvida é o principio da sabedoria." (Aristóteles)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

DOS CASOS DIFÍCEIS E DOS CASOS FÁCEIS OU DE COMO OS JUÍZES PRATICAM SUA ARTE

DOS CASOS DIFÍCEIS E DOS CASOS FÁCEIS
OU DE COMO OS JUÍZES PRATICAM SUA ARTE


Nelson Juliano Cardoso Matos

http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Nelson%20Juliano%20Cardoso%20Matos.pdf

Texto fantástico do Professor Nelson Juliano, exposto em mini curso na Universidade Federal do Piauí de Agosto a Setembro de 2006.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Frase do dia!

"O sábio nunca diz tudo o que pensa, mas pensa sempre tudo o que diz." (Aristóteles)

Escola de Frankfurt

Marcuse, Adorno, Horkheimer, Benjamin e Habermas - Teóricos de Frankfurt

Num dia qualquer de 1940, no lado espanhol da fronteira entre a França e a Espanha, um funcionário da alfândega, cumprindo ordens superiores, impediu a entrada de um grupo de intelectuais alemães que fugia da Gestapo, a temível corporação nazista. Um dos integrantes do grupo, homem de quarenta e oito anos de idade, que estampava no rosto sinais de profunda melancolia, mas ao mesmo tempo transmitia a impressão de um intelecto privilegiado, não resistiu à tensão psicológica e suicidou-se.
O fato poderia ser visto apenas à luz da psicologia individual, mas na verdade transcende esses limites e adquire dimensão social e cultural mais ampla. O intelectual em questão era Walter Benjamin, um dos principais representantes da chamada Escola de Frankfurt.
As idéias dessa corrente de pensamento encontram-se, em grande parte, nas páginas da Revista de Pesquisa Social, um dos documentos mais importantes para a compreensão do espírito europeu do século XX. Seus colaboradores estiveram sempre na primeira linha da reflexão crítica sobre os principais aspectos da economia, da sociedade e da cultura de seu tempo; em alguns casos chegaram mesmo a participar da militância política. Por tudo isso, foram alvo de perseguição dos meios conservadores, responsáveis pela ascensão e apogeu dos regimes totalitários europeus da época.
Fundado em 1924, o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, do qual a revista era porta-voz, foi obrigado, com a ascensão ao poder na Alemanha do nacional-socialismo, em 1933, a transferir-se para Genebra, depois para Paris, e, finalmente, para Nova York. Nesta cidade a revista passou a ser publicada com o título de Estudos de filosofia e Ciências Sociais. Com a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, os principais diretores da revista puderam regressar à Alemanha e reorganizar o Instituto em 1950.
Alfred Schmidt, que se dedicou à investigação da importância e da influência da Revista de Pesquisa Social, afirma que nela se fundem, de maneira única, a autonomia intelectual, a análise crítica e o protesto humanístico. Os colaboradores da revista opunham-se aos periódicos e instituições de caráter acadêmico, desenvolvendo um pensamento comum nesse sentido, sem que isso, contudo, anulasse interesses e orientações individuais e, sobretudo, sem que fossem postas de lado as exigências de rigor científico. Gian Enrico Rusconi, outro estudioso da Escola de Frankfurt, chama a atenção para o fato de que o pensamento desse grupo não pode ser compreendido sem ser vinculado à tradição da esquerda alemã. Para Rusconi, o significado histórico e político das reflexões encontradas na Revista de Pesquisa Social reside em sua continuidade em relação ao marxismo e à ciência social anticapitalista Essa posição teórica foi desenvolvida tendo como pano de fundo as experiências terríveis e contraditórias da república de Weimar, do nazismo, do estalinismo e da guerra fria. Ainda segundo Rusconi, a “teoria crítica” , como costuma ser chamado o conjunto dos trabalhos da Escola de Frankfurt, é uma expressão da crise teórica e política do século XX, refletindo sobre os seus problemas com uma radicalidade sem paralelo. Por isso, os trabalhos de seus pensadores exerceram grande influência, direta em alguns casos, indireta noutros, sobre os movimentos estudantis, sobretudo na Alemanha e nos Estados Unidos, nos fins da década de 60.
A história desse grupo de pensadores pode ser iniciada com a fundação do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, sob direção de Carl Grünberg, que permaneceu no cargo até 1927. Grünberg abria o primeiro número do Arquivo de História do Socialismo e do Movimento Operário (publicação que fundou em 1911), salientando a necessidade de não se estabelecer privilégio especial para esta ou aquela concepção, orientação científica ou opinião de partido. Grünberg estava convencido de que qualquer unidade de pontos de vista entre os colaboradores prejudicaria os fins críticos e intelectuais da própria iniciativa. Posteriormente, já na direção da Revista de Pesquisa Social, ele próprio se consideraria um marxista, mas entendendo essa posição não em seu sentido apenas político-partidário, mas em seu significado científico; o conceito “marxismo” servia-lhe para descrição de um sistema econômico, de uma determinada cosmovisão e de um método de pesquisa bem definido. Essa postura inicial de Grünberg – vinculada a uma “escola” de pensamento, mas ao mesmo tempo entendendo-a em sua dimensão crítica e como perspectiva aberta – constitui, de modo geral, a tônica do pensamento dos elementos do grupo de Frankfurt.
Entre os colaboradores da Revista, contam-se figuras muito conhecidas de um público mais amplo, como Herbert Marcuse (1898-1979), autor de Eros e Civilização e O Homem Unidimensional (ou Ideologia da Sociedade Industrial), e Erich Fromm (1900-1980), que se dedicou a estudos de psicologia social, nos quais procura vincular a psicanálise criada por Freud (1856-1939) às idéias marxistas. Outros são menos conhecidos, como Siegfried Kracauer, autor de um clássico estudo sobre o cinema alemão (De Caligari a Hitler), ou Leo Löwenthal, que se dedicou a reflexões estéticas e de sociologia da arte. Ao grupo da Revista pertenceram também Wittfogel, F. Pollock e Grossmann, autores de importantes estudos de economia política.
Os homens e suas obras
Entre todos os elementos vinculados ao grupo de Frankfurt, salientam Tentam-se, por razões d diversas, os nomes de Walter Benjamin, Theodor Wiesengrund-Adorno e Max Horkheimer, aos quais se pode ligar o pensamento de Jürgen Habermas. Esses autores formaram um grupo mais coeso e em suas obras encontra-se um pensamento dotado de maior unidade teórica.
Os traços biográficos e o perfil humano de Walter Benjamin são os mais conhecidos entre esses quatro pensadores de Frankfurt; sua morte, quando era ainda relativamente moço (48 anos) e em circunstâncias trágicas, deixou marca indelével entre os amigos, fazendo com que surgissem muitos depoimentos sobre sua vida e sobre sua personalidade. Para Adorno, Walter Benjamin era a personalidade mais enigmática do grupo, seus interesses eram freqüentemente contraditórios e sua conduta oscilava entre a intransigência quase ríspida e a polidez oriental. Essa maneira de ser aparentava mais o temperamento vibrante de um artista do que a tranqüilidade e a frieza racional, normalmente esperadas de um filósofo. Seu pensamento parecia nascer de um impulso de natureza artística, que, transformado em teoria como diz ainda Adorno “liberta-se da aparência e adquire incomparável dignidade: a promessa de felicidade”.
Outro depoimento que enriquece de significados o perfil intelectual e humano de Walter Benjamin é o de Gerschom Scholem, seu companheiro desde a juventude: Scholem o conheceu na primavera de 1915, quase um ano após o começo da Primeira Guerra Mundial, e relata que nessa época ficou impressionado com a profunda sensação de melancolia de que o amigo parecia estar permanentemente possuído.
Walter Benjamin nasceu em Berlim, em 1892, de ascendência israelita. Seus estudos superiores foram iniciados em 1913 e realizados em várias universidades, nas quais sempre exerceu intensa atividade política e cultural entre os colegas. Em 1917, casou-se e passou a viver em Berna (Suíça), em cuja universidade apresentou uma dissertação acadêmica intitulada O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão. Em 1921, publicou uma tradução dos Quadros Parisienses de Baudelaire (1821-1867) e no ano seguinte o poeta e dramaturgo Hugo Von Hofmannsthal (1874-1929) o convidou para publicar na revista que dirigia (Novas Contribuições Alemãs) seu primeiro grande ensaio: As “Afinidades Eletivas” de Goethe. Em 1928, Walter Benjamin viu truncadas suas esperanças de uma carreira universitária, quando a universidade de Frankfurt recusou sua tese: As Origens da Tragédia Barroca na Alemanha. Para assegurar a sobrevivência, passou então a dedicar-se à crítica jornalística e a traduções, escrevendo ainda numerosos ensaios. Nessa época, fez uma das mais perfeitas traduções em língua alemã que se conhece: À Procura do Tempo Perdido, de Proust (1871-1922). Além disso, projetou uma grande obra de filosofia da história, cujo título deveria ser Paris, Capital do Século XIX e que ficou incompleta. A década de 1930 trouxe-lhe outros infortúnios: seus pais faleceram, teve de divorciar-se da esposa e viu ascender o totalitarismo nazista. Sob a ditadura de Hitler, ainda conseguiu publicar alguns trabalhos menores, recorrendo ao disfarce de pseudônimos. Em 1935, foi obrigado a refugiar-se em Paris, onde os dirigentes emigrados do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt receberam-no como um dos seus colaboradores e deram-lhe condições para escrever alguns de seus mais importantes trabalhos: A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução, Alguns Temas Baudelairianos, O Narrador, Homens Alemães. Finalmente veio a falecer na fronteira entre Espanha e França, em circunstâncias dramáticas.
Theodor Wiesengrund-Adorno nasceu em 1903, em Frankfurt, cidade onde fez seus primeiros estudos e em cuja universidade se graduou em filosofia. Em Viena, estudou composição musical com AIban Berg (1885-1935), um dos maiores expoentes da revolução musical do século XX. Em 1932, escreveu o ensaio A Situação Social da Música, tema de inúmeros outros estudos: Sobre o Jazz (1936), Sobre o Caráter Fetichista da Música e a Regressão da Audição (1938), Fragmentos Sobre Wagner (1939) e Sobre Música Popular (1940-1941). Em 1933, com a tomada do poder pelos nazistas, Adorno foi obrigado a refugiar-se na Inglaterra, onde passou a lecionar na Universidade Oxford, al i permanecendo até 193 7. Nesse ano, transferiu-se para os Estados Unidos, onde escreveria, em colaboração com Horkheimer, a obra Dialética do Iluminismo (1947). Foi também nos Estados Unidos que Adorno realizou, em colaboração com outros pesquisadores, um estudo considerado posteriormente como um modelo de sociologia empírica: A Personalidade Autoritária. Esta obra foi publicada em 1950, ano em que Adorno pôde regressar à terra natal e reorganizar o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Entre outras obras publicada ficadas por Adorno, antes de sua morte, ocorrida em 1969, sal Tentam-se ainda Para a Metacrítica da Teoria do Conhecimento - Estudos Sobre Husserl e as Antinomias Fenomenológicas (1956), Dissonâncias (1956), Ensaios de Literatura I, II e III (1958 a 1965), Dialética Negativa (1966), Teoria Estética (1968) e Três Estudos Sobre Hegel (1969).

Max Horkheimer, o principal diretor da Revista de Pesquisa Social desde o afastamento de Grünberg nos fins da década de 20, nasceu em Stuttgart, a 14 de fevereiro de 1895 e faleceu em Nuremberg, a 9 de julho de 1973. Em 1930, tornou-se professor em Frankfurt, onde permaneceu até 1934, quando teve de se refugiar, como os demais companheiros. Nesse ano transferiu-se; para os Estados Unidos, passando a lecionar na Universidade de Colúmbia. Nos Estados Unidos, Horkheimer permaneceu até 1949, ano em que pôde regressar a Frankfurt e reorganizar o Instituto de Pesquisas Sociais, com Adorno.
A maior parte dos escritos de Horkheimer encontra-se nas páginas da Revista de Pesquisa Social. Entre os mais importantes contam-se: Inícios da Filosofia Burguesa da História (1930), Um Novo Conceito de Ideologia (1930), Materialismo e Metafísica (1930), Materialismo e Moral (1933), Sobre a Polêmica _ do Racionalismo na Filosofia Atual (1934), O Problema da Verdade (1935), O Último Ataque à Metafísica (193 7) e Teoria Tradicional e Teoria Crítica (1937).

Jürgen Habermas é considerado um herdeiro direto da escola de Frankfurt. Nascido em 1929, em Gummersbach, Habermas licenciou-se em 1954, com um trabalho sobre Schelling (1775-1854), intitulado O Absoluto e a História. De 1956 a 1959, colaborou estreitamente com Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Em 1968, transferiu-se para Nova York, passando a lecionar na New Yorker New School for Social Research. Entre suas obras principais, contam-se Entre a Filosofia e a Ciência - O Marxismo como Crítica (1960), Reflexões Sobre o Conceito de Participação Pública (publicado em 1961, juntamente com trabalhos de outros autores, com o título geral de O Estudante e a Política), Evolução Estrutural da Vida Pública (1962), Teoria e Práxis (1963), Lógica das Ciências Sociais (1967), Técnica e Ciência como Ideologia (1968), e Conhecimento e Interesse (1968).
Benjamim: cinema e revolução

Os múltiplos interesses dos pensadores de Frankfurt e o fato de não constituírem uma escola no sentido tradicional do termo, mas uma postura de análise crítica e uma perspectiva aberta para todos os problemas da cultura do século XX, torna difícil a sistematização de seu pensamento. Pode-se, no entanto, salientar alguns de seus temas, chegando-se a compor um quadro de suas principais idéias. De Walter Benjamin, devem-se destacar reflexões sobre as técnicas ficas de reprodução da obra de arte, particularmente do cinema, e as conseqüências sociais e políticas resultantes; de Adorno, o conceito de “indústria cultural” e a função da obra de arte; de Horkheimer, os fundamentos epistemológicos da posição filosófica de todo o grupo de Frankfurt, tal como se encontram formulados em sua “teoria crítica”; e, finalmente, de Habermas, as idéias sobre a ciência e a técnica como ideologia.
Benjamin tinha seu ensaio A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução na conta de primeira grande teoria materialista da arte. O ponto central desse estudo encontra-se na análise das causas e conseqüências da destruição da “aura” que envolve as obras de arte, enquanto objetos individualizados e únicos. Com o progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do cinema, a aura, dissolvendo-se nas várias reproduções do original, destituiria a obra de arte de seu status de raridade. Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fica excluída da atmosfera aristocrática e religiosa, que fazem dela uma coisa para poucos e um objeto de culto, a dissolução da aura atinge dimensões sociais. Essas dimensões seriam resultantes da estreita relação existente entre as transformações técnicas da sociedade e as modificações da percepção estética. A perda da aura e as conseqüências sociais resultantes desse fato são particularmente sensíveis no cinema, no qual a reprodução de uma obra de arte carrega consigo a possibilidade de uma radical mudança qualitativa na relação das massas com a arte. Embora o cinema diz Walter Benjamin exija o uso de toda a personalidade idade viva do homem, este priva-se de sua aura. Se, no teatro, a aura de um Macbeth, por exemplo, liga-se indissoluvelmente à aura do ator que o representa, tal como essa aura é sentida pelo público, fico, o mesmo não acontece no cinema, no qual a aura dos intérpretes desaparece com a substituição do público pelo aparelho. Na medida em que o ator se torna acessória da cena, não é raro que os próprios acessórios desempenhem o papel de atores.
Benjamin considera ainda que a natureza vista pelos olhos difere da natureza vista pela câmara, e esta, ao substituir o espaço onde o homem age conscientemente por outro onde sua ação é inconsciente, possibilita a experiência do inconsciente visual, do mesmo modo que a prática psicanalítica possibilita a experiência do inconsciente instintivo. Exibindo, assim, a reciprocidade de ação entre a matéria e o homem, o cinema seria de grande valia para um pensamento materialista. Adaptado adequadamente ao proletariado que se prepararia para tomar o poder, o cinema tornar-se-ia, em conseqüência, portador de uma extraordinária esperança histórica.
Em suma, a análise de Benjamin mostra que as técnicas de reprodução das obras de arte, provocando a queda da aura, promovem a liquidação do elemento tradicional da herança cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um germe positivo, na medida em que possibilita I outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de renovação das estruturas sociais. Trata-se de uma postura otimista, que foi objeto de reflexão crítica por parte de Adorno.
Adorno: a indústria cultural

Para Adorno, a postura otimista de Benjamin no que diz respeito à função possivelmente revolucionária do cinema desconsidera certos elementos fundamentais, que desviam sua argumentação para conclusões ingênuas. Embora devendo a maior parte de suas reflexões a Benjamin, Adorno procura mostrar a falta de sustentação de suas teses, na medida em que elas não trazem à luz o antagonismo que reside no próprio interior do conceito de “técnica”. Segundo Adorno, passou despercebido a Benjamin que a técnica se define em dois níveis: primeiro “enquanto qualquer coisa determinada intra-esteticamente” e, segundo, “enquanto desenvolvimento exterior às obras de arte”. O conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta: ele possui uma origem histórica e pode desaparecer. Ao visarem à produção em série e à homogeneização, as técnicas de reprodução sacrificam a distinção entre o caráter da própria obra de arte e do sistema social. Por conseguinte, se a técnica passa a exercer imenso poder sobre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, graças, em grande parte, ao fato de que as circunstâncias que favorecem tal poder são arquitetadas pelo poder dos economicamente mais fortes sobre a própria sociedade. Em decorrência, a racionalidade da técnica identifica-se com a racionalidade do próprio domínio. Essas considerações evidenciariam que, não só o cinema, como também o rádio, não devem ser tomados como arte. “O fato de não serem mais que negócios – escreve Adorno – basta-lhes como ideologia”.Enquanto negócios, seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. Tal exploração Adorno chama de “indústria cultural”.
O termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicação da Dialética do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Este último, numa série de conferências radiofônicas, pronunciadas em 1962, explicou que a expressão “indústria cultural” visa a substituir “cultura de massa”, pois esta induz ao engodo que satisfaz os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa. Os defensores da expressão “cultura de massa” querem dar a entender que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpretação, a indústria cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas, em larga medida, determina o próprio consumo. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, às condições que representam seus interesses. A indústria cultural traz em seu bojo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel específico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema. AI fada à ideologia capital capitalista, e sua cúmplice ice, a indústria cultural contribui eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como dos homens com a natureza, de tal forma que o resultado final constitui uma espécie de antiiluminismo. Considerando-se diz Adorno que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens do medo, tornando-os senhores e liberando o mundo da magia e do mito, e admitindo-se que essa finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e sobre a técnica. Mas ao invés disso, liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de novo engodo: o progresso da dominação técnica. Esse progresso transformou-se em poderoso instrumento utilizado pela indústria cultural para conter o desenvolvimento da consciência das massas. A indústria cultural nas palavras do próprio Adorno “impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. O próprio ócio do homem é utilizado pela indústria cultural com o fito de mecanizá-lo, de tal modo que, sob o capital capitalismo, em suas formas mais avançadas, a diversão e o lazer tornam-se um prolongamento do trabalho. Para Adorno, a diversão é buscada pelos que desejam esquivar-se ao processo de trabalho mecanizado para colocar-se, novamente, em condições de se submeterem a ele. A mecanização conquistou tamanho poder sobre o homem, durante o tempo livre, e sobre sua felicidade, determinando tão completamente a fabricação dos produtos para a distração, que o homem não tem acesso senão a cópias e reproduções do próprio trabalho. O suposto conteúdo não é mais que uma pálida fachada: o que realmente lhe é dado é a sucessão automática de operações reguladas. Em suma, diz Adorno, “só se pode escapar ao processo de trabalho na fábrica e na oficina, adequando-se a ele no ócio”.
Tolhendo a consciência das massas e instaurando o poder da mecanização sobre o homem, a indústria cultural cria condições cada vez mais favoráveis para a implantação do seu comércio fraudulento, no qual os consumidores são continuamente enganados em relação ao que lhes é prometido mas não cumprido. Exemplo disso encontra-se nas situações eróticas apresentadas pelo cinema. Nelas, o desejo suscitado ou sugerido pelas imagens, ao invés de encontrar uma satisfação correspondente à promessa nelas envolvida, acaba sendo satisfeito com o simples elogio da rotina. Não conseguindo, como pretendia, escapar a esta última, o desejo divorcia-se de sua realização que, sufocada e transformada em negação, converte o próprio desejo em privação: A indústria cultural não sublima o instinto sexual, como nas verdadeiras obras de arte, mas o reprime e sufoca. Ao expor sempre como novo 0 objeto de desejo (o seio sob o suéter ou o dorso nu do herói desportivo), a indústria cultural não faz mais que excitar o prazer preliminar não sublimado que, pelo hábito da privação, converte-se em conduta masoquista. Assim, prometer e não cumprir, ou seja, oferecer e privar, são um único e mesmo ato da indústria cultural. A situação erótica, conclui Adorno, une “à alusão e à excitação, a advertência precisa de que não se deve, jamais, chegar a esse ponto”. Tal advertência evidencia como a indústria cultural administra o mundo social.
Criando “necessidades” ao consumidor (que deve contentar-se com o que lhe é oferecido), a indústria cultural organiza-se para que ele compreenda sua condição de mero consumidor, ou seja, ele é apenas e tão-somente um objeto daquela indústria. Desse modo, instaura-se a dominação natural e ideológica. Tal dominação, como diz Max Jiménez i Jiménez, comentador de Adorno, tem sua mola motora no desejo de posse constantemente renovado pelo progresso técnico e científico, e sabiamente controlado pela indústria cultural. Nesse sentido, o universo social, além de configurar-se como um universo de “coisas”, constituiria um espaço hermeticamente fechado. Nele, todas as tentativas de liberação estão condenadas ao fracasso.
Contudo, Adorno não desemboca numa visão inteiramente pessimista, e procura mostrar que é possível encontrar-se uma via de salvação. Esse tema aparece desenvolvido em sua última obra, intitulada Teoria Estética.

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Dialética do Esclarecimento THEODOR WIESENGRUND ADORNO MAX HORKHEIMER
A obra de arte e a práxis
Em Teoria Estética nas palavras do comentador Kothe “Adorno oscila entre negar a possibilidade de produzir arte depois de Auschwitz e buscar nela refúgio ante um mundo que o chocava, mas que ele não podia deixar de olhar e denominar”. Essa postura foi extremamente criticada pelos movimentos de contestação radical, que o acusavam de buscar refúgio na pura teoria ou na criação artística, esquivando-se assim da práxis política. A seus detratores, Adorno responde que, embora plausível para muitos, o argumento de que contra a totalidade bárbara não surtem efeito senão os meios bárbaros, na verdade não releva que, apesar disso, atinge-se um valor limite. A violência que há cinqüenta anos podia parecer legítima àqueles que nutrissem a esperança abstrata e a ilusão de uma transformação total está, após a experiência do nazismo e do horror stalinista, inextricavelmente imbricada naquilo que deveria ser modificado: “ou a humanidade renuncia à violência da lei de talião, ou a pretendida práxis política radical renova o terror do passado”.
Criticando a práxis brutal da sobrevivência, a obra de arte, para Adorno, apresenta-se, socialmente, como antítese da sociedade, cujas antinomias e antagonismos nela reaparecem como problemas internos de sua forma. Por outro lado, entre autor, obra e público, a obra adquire prioridade epistemológica, afirmando-se como ente autônomo. Esse duplo caráter vincula-se à própria natureza desdobrada da arte, que se constitui como aparência. Ela é aparência por sua diferença em relação à realidade, pelo caráter aparente da realidade que pretende retratar, pelo caráter aparente do espírito do qual ela é uma manifestação; a arte é até mesmo aparência de si própria na medida em que pretende ser o que não pode ser: algo perfeito num mundo imperfeito, por se apresentar como um ente definitivo, quando na verdade é algo feito e tornado como é.
Horkeimer: ciência e totalitarismo

A expressão “teoria crítica” é empregada para designar o conjunto das concepções da Escola de Frankfurt. Horkheimer delineia seus traços principais, tomando como ponto de partida o marxismo e opondo-se àquilo que ele designa pela expressão “teoria tradicional”. Para Horkheimer, o típico da teoria marxista é, por um lado, não pretender qualquer visão concludente da totalidade e, por outro, preocupar-se com o desenvolvimento concreto do pensamento. Desse modo, as categorias marxistas não são entendidas como conceitos definitivos, mas como indicações para investigações ulteriores, cujos resultados retroajam sobre elas próprias. Quando se vale, nos mais diversos contextos, da expressão “materialismo” Horkheimer não repete ou transcreve simplesmente o material codificado nas obras de Marx e Engels, mas reflete esse materialismo segundo a óptica dos momentos subjetivos e objetivos que devem entrar na interpretação desses autores.
Por teoria tradicional Horkheimer entende uma certa concepção de ciência resultante do longo processo de desenvolvimento que remonta ao Discurso do Método de Descartes (1596-1650). Descartes – diz Horkheimer – fundamentou o ideal de ciência como sistema dedutivo, no qual todas as proposições referentes a determinado campo deveriam ser ligadas de tal modo que a maior parte delas pudesse ser derivada de algumas poucas. Estas formariam os princípios gerais que tornariam mais completa a teoria, quanto menor fosse seu número. A exigência fundamental dos sistemas teóricos construídos dessa maneira seria a de que todos os elementos assim ligados o fossem de modo direto e não contraditório, transformando-se em puro sistema matemático de signos. Por outro lado, a teoria tradicional encontrou amplas justificativas para um tal tipo de ciência no fato de que os sistemas assim construído construídos são extremamente aptos à utilização operativa, isto é, sua aplicabilidade prática é muito vasta.
Horkheimer admite a legitimidade e a validez de tal concepção, reconhecendo o quanto ela contribuiu para o controle técnico da natureza, transformando-se, como diz Marx, em “força produtiva imediata”. Mas o reverso da moeda é negativo. Para Horkheimer, o trabalho do especialista, dentro dos moldes da teoria tradicional, realiza-se desvinculado dos demais, permanecendo alheio à conexão global dos setores da produção. Nasce assim a aparência ideológica de uma autonomia dos processos de trabalho, cuja direção deve ser deduzida da natureza interna de seu objeto. O pensamento cientificista contenta-se com a organização da experiência, a qual se dá sobre a base de determinadas atuações sociais, mas o que estas significam para o todo social não entra nas categorias da “teoria tradicional”. Em outros termos, a teoria tradicional não se ocupa da gênese social dos problemas, das situações reais nas quais a ciência é usada e dos escopos para os quais é usada. Chega-se, assim, ao paradoxo de que a ciência tradicional, exatamente porque pretende o maior rigor para que seus resultados alcancem a maior aplicabilidade prática, acaba por se tornar mais abstrata, muito mais estranha à realidade (enquanto conexão mediatizada da práxis global de uma época) do que a teoria crítica. Esta, dando relevância social à ciência, não conclui que o conhecimento deva ser pragmático; ao contrário, favorece a reflexão autônoma, segundo a qual a verificação prática de uma idéia e sua verdade não são coisas idênticas.
A teoria crítica ultrapassa, assim, o subjetivismo e o realismo da concepção positivista, expressão mais acabada da teoria tradicional. O subjetivismo, segundo Horkheimer, apresenta-se nitidamente quando os positivistas conferem preponderância explícita ao método, desprezando os dados em favor de uma estrutura anterior que os enquadraria. Por outro lado, mesmo quando os positivistas atribuem maior peso aos dados, esses acabam sendo selecionados pela metodologia utilizada I utilizada. E esta atribui maior relevo a determinados i nados aspectos dos dados, em detrimento mento de outros.
A teoria crítica, ao contrário, pretende ultrapassar tal subjetivismo, visando a descobrir o conteúdo cognoscitivo da práxis histórica. Os fatos sensíveis, por exemplo, vistos pelos positivistas como possuidores de um valor irredutível, são, para Horkheimer, “pré-formados socialmente de dois modos: pelo caráter histórico de objeto percebido e pelo caráter histórico do órgão que percebe”.
Outros elementos de crítica ao positivismo, sobretudo os aspectos políticos nele envolvidos, encontram-se em uma conferência de Horkheimer, em 1951, com o título Sobre o Conceito de Razão. Nessa conferência, ele afirma que o positivismo caracteriza-se por conceber um tipo de razão subjetiva, formal e instrumental, cujo único critério de verdade é seu valor operativo, ou seja, seu papel na dominação do homem e da natureza. Desse ponto de vista, os conceitos não mais expressam, como tais, qualidades das coisas, mas servem apenas para a organização de um material do saber para aqueles que podem dispor habitualmente dele; assim, os conceitos são considerados como meras abreviaturas de muitas coisas singulares, como ficções destinadas a melhor sujeitá-las; já não são subjugados mediante um duro trabalho concreto, teórico e político, político, mas exemplificados ficados abstrata e sumariamente, através daquilo que se poderia chamar um decreto filosófico. Dentro dessas coordenadas, a razão desembaraça-se da reflexão sobre os fins e torna-se incapaz de dizer que um sistema político ou econômico é irracional. Por cruel e despótico que ele possa ser, contanto que funcione, a razão positivista o aceita e não deixa ao homem outra escolha a não ser a resignação. A teoria justa, ao contrário escreve Horkheimer, “nasce da consideração dos homens de tempos em tempos, vivendo sob condições determinadas e que conservam sua própria vida com a ajuda dos instrumentos de trabalho”. Ao considerar que a existência social age como determinante da consciência, a teoria crítica não está anunciando sua visão do mundo, mas diagnosticando uma situação que deveria ser superada.
Em suma, a teoria crítica de Horkheimer pretende que os homens protestem contra a aceitação resignada da ordem total totalitária. A “razão polêmica” de Horkheimer, ao se opor à razão instrumental e subjetiva dos positivistas, não evidencia somente uma divergência de ordem teórica. Ao tentar superar a razão formal positivista, Horkheimer não visa suprimir a discórdia entre razão subjetiva e objetiva através de um processo puramente teórico. Essa dissociação somente desaparecerá quando as relações entre os seres humanos, e destes com a natureza, vierem á configurar-se de maneira diversa da que se instaura na dominação. A união das duas razões exige o trabalho da totalidade social, ou seja, a práxis histórica.
Habermas: tecnicismo e ideologia
Jürgen Habermas desenvolve sua teoria no mesmo sentido de Horkheimer. Para ele, a teoria deve ser crítica, engajada nas lutas políticas do presente, e construir-se em nome do futuro revolucionário para o qual trabalha; é exame teórico e crítico da ideologia, mas também crítica revolucionária do presente.
O projeto filosófico de Habermas pode ser sintetizado em termos de uma crítica do positivismo e, sobretudo, da ideologia dele resultante, ou seja, o tecnicismo. Para Habermas, o tecnicismo é a ideologia que consiste na tentativa de fazer funcionar na prática, e a qualquer custo, o saber científico e a técnica que dele possa resultar. Nesse sentido, pode-se falar de um imbricamento entre ciência e técnica, pois esta, embora dependa da primeira, retroage sobre ela, determinando seus rumos. Essa vinculação, mostra Habermas, é particularmente sensível nos Estados Unidos (na URSS, por suposição ocorreria algo análogo), onde a Secretaria de Defesa e a NASA são os mais importantes comanditários em matéria de pesquisa científica. Na medida em que se considera o complexo militar industrial, particularmente observável nos Estados Unidos, e na medida em que se releva aquela comandita, tem-se como conseqüência um novo complexo que poderia ser referido como complexo ciência-técnica-indústria-exércitoadministração. Nesse complexo, o processo de mútua vinculação entre ciência e técnica amplia-se tornando-se um processo generalizado de realimentação recíproca que Habermas compara a um sistema de vasos comunicantes. Desse modo, ciência e técnica tornam-se a primeira fora produtiva, subordinando todas as demais: Para Habermas, “são os cientistas e os técnicos que, graças a seu saber daquilo que ocorre num mundo não vivido de abstrações e de deduções, adquiriram imensa e crescente potência (...), dirigindo e modificando 0 mundo no qual os homens possuem, simultaneamente, o privilégio e a obrigação de viverem”. Assim, esse contexto, não apenas técnico-científico, mas também econômico-político , passa a ser a conotação da técnica. Nesse sentido, o autor ataca a ilusão objetivista das ciências. Contra a ilusão da teoria pura, Habermas procura trazer à tona as raízes antropológicas da prática teórico-científica e evidenciar os interesses, que estão no princípio do conhecimento, particularmente do conhecimento científico.
No plano da filosofia social, Habermas critica o objetivismo ontológico e contemplativo da filosofia teórica tradicional. Para ele, em nenhum caso a filosofia poderia ser propriamente uma ciência exata, e as pretensões que ela pode (e poderá) manifestar nesse sentido não fazem senão testemunhar sua contaminação pelo objetivismo positivista das ciências; nesse contexto ela não é mais que uma especial idade entre outras, no seio da instituição universitária, colocando-se “junto às ciências” e afastada das preocupações de um público leigo, devido a seus refinamentos teóricos.
A crítica do positivismo científico e filosófico, empreendida por Habermas, é inseparável de sua luta contra o objetivismo tecnocrático. O positivismo e o tecnicismo não passam, para ele, de duas faces da mesma e ilusória moeda ideológica: tanto um, como outro, não seriam mais que “manchas turvas no horizonte da racionalidade”.
Herbert Marcuse

Herbert Marcuse nasceu em Berlim em agosto de 1898, sendo de origem judaica, De sua juventude sabemos que participou em 1918 do movimento revolucionário spartakista; em 1925, já reconciliado na vida acadêmica (formou-se em filosofia por Berlim e Friburgo), publicou seu primeiro trabalho, um levantamento bibliográfico sobre Schiller. Estudos com Martin Heidegger levaram-no ao doutorado em filosofia em 1927, com uma tese sobre Hegel, a grande influência filosófica em seu pensamento. Esta tese, ampliada, transformar-se-ia em 1932 num erudito livro sobre Hegel e a história: A ontologia de Hegel e o fundamento de uma teoria da historicidade, o que lhe valeu ser feito assistente de Heidegger. Com a ascensão do nazismo, foge Marcuse em 1933 para Genebra, e em 1934 se instala nos Estados Unidos, ao lado dos sociólogos, também neo-hegelianos, Max Horkheimer e Theodor Wiesengrund Adorno. Começa então um longo período de pesquisas com estes dois, e com a equipe que constituía o centro da intelligentzia alemã exilada nos Estados Unidos por causa de Hitler: o “Institut Für SozialForschung”, o “Instituto de Pesquisas Sociais”. Desta época deixou-nos Marcuse enorme quantidade de ensaios que apresentam os germens das teses a serem desenvolvidas nos livros de sua maturidade: a preocupação com o desenvolvimento incontrolado da tecnologia, o racionalismo dominante nas sociedades modernas, os movimentos repressivos das liberdades individuais, o aniquilamento da Razão – e por Razão entende Marcuse o sentido hegeliano deste conceito, a possibilidade do homem desenvolver inteira e livremente suas potencialidades. Quais são essas potencialidades? É esta pergunta objeto também das pesquisas dos pensadores no "Instituto de Pesquisas Sociais". Também desta época são as concepções com as quais estes pensadores (mais tarde Adorno e Horkheimer serão conhecidos como líderes do “grupo de Frankfurt”, por ser esta cidade aquela onde, cessada a guerra, eles voltam a ensinar na Europa) abalam uma das teses fundamentais do marxismo: a revolução como responsabilidade histórica do proletariado. Para os membros do grupo de Frankfurt, o proletariado se perdeu ao permitir o surgimento de sistemas totalitário como o nazismo e o stalinismo por um lado, e a "indústria cultural" dos países capitalistas pelo outro lado. A "indústria cultural", termo criado por Adorno e Horkheimer em seu livro de 1947, a Dialética do Iluminismo, e o fenômeno que melhor conhecemos como "cultura de massa". Quem substitui os proletários? Aqueles cuja ascensão a sociedade moderna de modo algum permite, os miseráveis que o bem-estar geral não conseguiu incorporar, as minorias raciais, os outsiders.
Durante a segunda grande guerra ocupa Marcuse uma posição no Departamento de Estado americano (mais precisamente, foi de 1942 a 1950 chefe de seção nesta secretaria de governo dos Estados Unidos). Quando em 1950 Theodor Adorno e Max Horkheimer voltam para a Alemanha, Marcuse prefere não acompanhá-los, ficando como professor de Ciência Política na Universidade Brandeis. Serão publicados na década de 50 dois de seus mais importantes livros, o Eros e Civilização e o Marxismo Soviético. No primeiro tenta Marcuse mostrar que o homem pode ser feliz; no segundo, o pensador desmascara o sistema soviético, mostrando de que manei ra está o totalitarismo russo afastado das concepções humanísticas de Marx. Estas obras trazem uma certa fama para Marcuse, fama que se incentiva quando da publicação, em 1964, de Homem Unidimensional (o título português deste livro é Ideologia da Sociedade Industrial,) Em Homem Unidimensional Marcuse ataca violentamente todas as características repressivas e irracionais do estado pós-industrial moderno, o “Welfare State”, o Estado do Bem-Estar Social considerado por ele como o “Warfare State” – o Estado Beligerante. Em 1967 volta Marcuse á Europa, para um curso na Universidade Livre de Berlim. Nesta conhece Rudi Dutschke, líder estudantil alemão que muito se chega ao velho professor. Dutschke, formado em sociologia, fundamentará suas lutas sobre as idéias de Marcuse. O caos provocado na Alemanha pelo movimento de Dutschke é tão grande que em inícios de 1968 este sofre um atentado a bala, deixando-o moribundo por várias semanas (o atentado foi precedido por uma violenta campanha da imprensa dirigida pelo truste alemão dos jornais, as emprêsas Springer, que acusavam Dutschke de "baderneiro" e "irresponsável") . Devido a esta ligação de Dutschke com Marcuse, o nome do professor ganha rapidamente projeção internacional, projeção acentuada pela revolta francesa do mês de maio. Em junho de 1968 Marcuse volta à Alemanha para um debate com os estudantes que estavam amotinando Berlim. Não e um encontro fácil, e o velho filósofo sai do anfiteatro da Universidade Livre de Berlim debaixo de aplausos e vaias violentos. Nos Estados Unidos, Marcuse passa agora a lecionar na Universidade da Califórnia, sempre na cadeira de Filosofia e Ciência Política.
Tornando-se uma figura carismática malgré lui, desenrolam-se em torno de seu nome os mais estranhos incidentes. A Ku Klux-Klan ameaça-o de morte, chamando-o "asqueroso cão comunista". Mas a imagem que mais freqüentemente dele aparece na imprensa é a de um velho tranqüilo de roupa informal conversando amigavelmente com seus alunos. Os testemunhos que temos não desmentem essa imagem, nem sua filosofia.

As Idéias de Marcuse

Herbert Marcuse é um legítimo pensador alemão. O centro de sua filosofia é Hegel. Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart em 1770. Aos vinte anos, estudante em Tübingen, pôde Hegel entusiasmar-se, como toda a intelectualidade alemã se estava então entusiasmando, com a Revolução Francesa. A vida de Hegel é bastante tumultuada, mas apesar disso, veio o filósofo morrer em 1831 em posição de reconhecimento oficial (de 1829 a 1830 tinha sido Hegel reitor da Universidade de Berlim), Grandes dificuldades bloqueiam nosso acesso ao pensamento hegeliano. Diz-se que o filósofo escrevia seus livros duas vezes: da primeira todas as coisas eram ditas, esclarecendo o assunto. Da segunda vez o supérfluo era cortado do texto, ficando este denso, e pouco acessível. Verdade ou não, o fato é que de Hegel descendem correntes filosóficas as mais conflitantes. Marcuse toma em Hegel duas noções capitais, a idéia de “Razão” e a idéia de “Negatividade”. A Razão, como dissemos, é a faculdade humana que se manifesta no uso completo feito pelo homem de suas possibilidades. Não se pode compreender a “possibilidade” longe do conceito de “necessidade”. O que necessitamos? A necessidade nos dirige a certos objetos cuja falta sentimos. A possibilidade mede o raio de nosso alcance face a tais objetos. Se quero um apartamento mas não tenho dinheiro para comprá-lo, o objeto de minha necessidade é o apartamento, e a medida de minha possibilidade é o dinheiro que me falta. É muito fácil compreender como a falta de dinheiro representa um bloqueio falso, fictício, á satisfação de meu desejo. Na realidade posso ter o apartamento, mas certas convenções sociais, que respeito de modo mais ou menos acrítico, me impedem de possuí-lo. Ao mesmo tempo, se me interrogo a respeito da minha necessidade face ao apartamento, essa também se dissolve. O apartamento é um símbolo de status social, ou resultado de certas convenções visando ao gosto que seriam, em outras condições, muito discutíveis, e que nem sempre me possibilitam morar satisfatoriamente. A minha necessidade se revela, portanto, como uma falsa necessidade, assim como o bloqueio pela falta de dinheiro das minhas possibilidades era um bloqueio falso. Onde se encontram, então, minhas necessidades e minhas possibilidades? Como compreenderemos o que e Razão? Marcuse muito se preocupa com este problema ao longo de toda a sua obra, sempre polêmica.
Como pensador, Marcuse é, acima de tudo, hegeliano, ou seja, radicalmente dialético e crítico: a crítica ao modo de vida atual significa a manifestação de um dos lados daquela negatividade que Marcuse identificará como sendo o núcleo da dialética em Hegel (para Marcuse, a dialética sob forma triádica: tese, antitese e síntese é uma máscara sobre o que este conceito representava mesmo para Hegel). Como vê Marcuse a vida nas sociedades industriais modernas? Um fantasma atravessa estas sociedades: o nacionalismo. Para Marcuse, como antes dele para Adorno e Horkheimer, para Georg Lukács e mesmo para Marx, particularmente num de seus textos menos lidos e ainda menos compreendidos, particularmente nos últimos tempos: os “Fundamentos da Crítica à Economia Política”, o nacionalismo, a tendência das sociedades modernas à administração total, à tecnocracia burra, à planificação de todos os setores da vida tem sua origem no mercantilismo burguês. Para haver comércio e preciso haver dinheiro, e preciso que todas as coisas sejam reduzidas a uma medida comum, o dinheiro, a moeda. Essa quantificação manifestando-se nas relações interpessoais do homem atingirá, pouco a pouco, todas as regiões da vida humana. A apologia que hoje em dia se faz do “rigor” das ciências, da "precisão" de resultados que as modernas técnicas nos oferecem é compreendida por todos os pensadores acima citados como resultando em última análise da extensão do comércio a todos os setores da vida humana. A crítica ao nacionalismo, Marcuse a encontra em Marx, portanto.
E o Marcuse freudiano? Em Freud Marcuse encontra a possibilidade do homem ser feliz. Eros e Civilização tenta provar essa tese. O que faz o homem infeliz é que o mundo bloqueia a realização de seus desejos. Esta oposição do mundo a nós foi chamada por Freud “princípio da realidade”. Será este princípio superável? Como superá-lo? Para Marcuse, o princípio da realidade resulta de condições históricas específicas, isto é, a infelicidade é um fenômeno in- separável de determinadas situações sociais. Assim sendo, quando atingirmos a situação social correta, o homem poderia ser feliz. Quando será? No “Império da Razão”. Em Eros e Civilização Marcuse nos mostrará que o homem guarda lembranças profundas de uma possibilidade da felicidade, lembrança presente nos mitos de Orfeu e Narciso.
Mas Eros e Civilização ainda se encontra numa região mais ou menos metafísica do pensamento. A descida para o concreto se faz na Ideologia da Sociedade Industrial. Neste livro Marcuse repete a crítica ao racionalismo (irracional, pois não fundado na verdadeira Razão) da sociedade moderna, e tenta ao mesmo tempo esboçar o caminho que poderá nos afastar dele. O caminho será, por um aspecto, a contestação da sociedade pelos marginais que a sociedade desprezou ou não conseguiu beneficiar. Será por outro aspecto o desenvolvimento extremo da tecnologia, que deverá ter, segundo Marx e Marcuse, efeitos revolucionários. Quais são estes efeitos? O problema da sociedade moderna é a invasão da mentalidade mercantilista e quantificadora a todos os domínios do pensamento. Essa mentalidade se representa economicamente pelo valor de troca, ligado de modo íntimo aos processos de alienação do homem. E, segundo Marx na sua obra referida, os Fundamentos, com o desenvolvimento extremo da tecnologia “a forma de produção assente no valor de troca sucumbirá”. A sociedade moderna, sentindo, que sua base a tecnologia - contém seu rompimento, age repressivamente para evitar este avanço extremo. Será este reprimido? Marcuse espera que não, e também esperamos nós.

Escola de Frankfurt: Luzes e Sombras do Iluminismo OLGARIA C.F. MATOS

Bibliografia:
Marcuse, Vida e Obra – Francisco Antônio Doria – José Álvaro Editor S.A. / Paz e Terra – Rio de Janeiro, Guanabara, 1974
Os Pensadores - Benjamin, Habermas, Horkheimer, Adorno - Consultoria Paulo Eduardo Arantes - Ed. Abril Cultural
CRONOLOGIA
1892 – Em Berlim, nasce Walter Benjamin.
1914 – Tem início a Primeira Guerra Mundial.
1918 – Benjamin gradua-se na Universidade de Berna com a dissertação sobre a Noção de Crítica de Arte no Primeiro Romantismo.
1921 - Adorno conhece Max Horkheimer, ao qual se liga por profunda amizade.
1924 – Fundação do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt.
1928 – Benjamin vê rejeitada sua tese sobre As Origens da Tragédia Barroca na Alemanha.
1929 – Nasce Jürgen Habermas.
1933 – O Instituto de Pesquisas Sociais transfere-se para Genebra.
1936 – Benjamin publica em francês A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica.
1938 – Adorno viaja para os Estados Unidos.
1939 – Publica Fragmentos sobre Wagner. Eclode a Segunda Guerra Mundial.
1940 – Benjamin suicida-se. No mesmo ano, são publicadas suas Teses sobre a Filosofia da História.
1947 – Adorno e Horkheimer empregam pela primeira vez o termo indústria cultural.
1950 – Reorganização do Instituto de Pesquisas Sociais, na Alemanha. Adorno publica seu estudo sobre a Personalidade Autoritária.
1951 – Horkheimer pronuncia conferências Sobre o Conceito de Razão.
1954 – Habermas I licencia-se com uma tese sobre Schelling: O Absoluto I e a História.
1955 – Publicação do original alemão de A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica, de Benjamin.
1956 – Adorno publica Para a Metacrítica da Teoria do Conhecimento – Estudos sobre Husserl e as Antinomias Fenomenológicas.
1959 – Habermas colabora com Adorno.
1956 – Adorno publica Para a Metacrítica da Teoria do Conhecimento - Estudos sobre Husserl e as Antinomias Fenomenológicas.
1958 – 1965 – Publica os Ensaios de Literatura I, II e III. 1961 - Inicia a Teoria Estética.
1962 - Publicação de Evolução Estrutural da Vida Pública, tese de doutoramento de Habermas.
1963 - Habermas publica Teoria e Práxis.
1966 - Adorno publica a Dialética Negativa.
1968 - Conclui a primeira versão da Teoria Estética. Habermas publica Técnica e Ciência como “Ideologia”, e transfere-se para Nova York.
1969 - A 6 de agosto, com 66 anos, falece Theodor Wiesengrund-Adorno.
1973 - A 9 de julho, com 78 anos de idade, morre Max Horkheimer.